Sabe-se que um dos grandes problemas com que o Portugal moderno se defronta é o do seu território e, sobretudo, do seu ordenamento. O território é um recurso, mas é sempre um recurso finito e, também por isso, uma das grandes causas de conflito entre povos e nações, hoje e ao longo dos tempos. Como também todos sabemos, são inúmeras as áreas do Globo onde existem e subsistem há dezenas de anos estados de guerra que parecem só terminar quando a questão do território (e dos seus recursos) for resolvida.
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De facto, muitos dos conflitos que por esse mundo fora continuam a dizimar pessoas e bens continuam a acontecer por razões eminentemente "territoriais". Ou seja: por vezes, território, recursos e habitantes estão numa relação equilibrada mas, outras vezes, esses equilíbrios ou não existem ou deixam de existir, seja porque deixam de se verificar as condições que os proporcionavam, seja porque se tornaram objecto do interesse ou da cobiça de quem os não possui ou de quem sobre ele não pode exercer influência.
O facto é que não basta ter território para que os seus habitantes nele possam sobreviver e criar a riqueza que é fundamental para o seu bem--estar. Para que isso aconteça é essencial que esse território esteja devidamente ordenado, o que quer dizer que deve estar de tal modo organizado que a dita sobrevivência esteja garantida e que a criação de riqueza e, portanto a melhoria progressiva das condições de vida, seja sustentável e decorra naturalmente dessa mesma organização.
Nada disto é novidade: as diferentes ciências - todas as ciências - já se debruçaram larga e longamente sobre estas matérias, tudo está praticamente identificado e quantificado, conhecem-se os factores que fazem e desfazem os diferentes equilíbrios e conhecem-se as idiossincrasias que os podem alterar mais ou menos profundamente. Contudo, olhando à nossa volta, parece que assim não é!
E parece que assim não é porque olhando para algumas das políticas que vão sendo adoptadas entre nóse em que, subitamente, nos vemos envolvidos e, até, para o modo como essas mesmas políticas vão sendo postas em prática, o que resulta é um inexplicável estado de perplexidade em que o sentimento que parece predominar é o de que já nada há a fazer a não ser esperar que tudo não passe, afinal, dum sonho mau!
A título de exemplo, e porque se trata de matérias sobre as quais muito se disse e continua a dizer mas relativamente às quais quase tudo está ainda por dizer, tomemos duas das questões que tiveram honras de primeira página nos média nacionais durante este tórrido Verão que está a chegar ao fim e que não podem ser considerados "assuntos de praia": por um lado, a questão das escolas que estão em processo acelerado de extinção (três mil vão fechar) e, por outro, a questão das zonas florestais, mais uma vez vítimas de fogos eventualmente criminosos mas que, qualquer que seja a razão, se encontram em idêntico estado de catástrofe e em direcção ao desaparecimento.
Em ambos os casos, o que está em causa e para além e muitas outras razões que certamente também terão de ser trazidas a terreiro é, essencialmente, uma questão de "ordenamento". Primeiro, porque se trata de algo que já existia no terreno (no caso, escolas e florestas) e que, subitamente, vai deixar de existir; depois, porque em seu lugar algo terá de ficar, já que não é muito crível que fique apenas o vazio; e, por fim, porque se no caso das escolas o desaparecimento é voluntário, no caso das florestas o desaparecimento não deixa de o ser porque é fruto da incapacidade e do desleixo e, estes, sim, são actos que resultam da vontade de todos nós!
E, em ambos os casos, tudo começou de mansinho, fogo aqui, fogo acolá, escola que fecha aqui, escola que fecha acolá, para tudo terminar em grande perplexidade e em estado de revolta e aflição porque os donos das casas que as haviam construído no meio das florestas nunca pensaram que uma das coisas que lhes podia acontecer era arderem e porque os já poucos habitantes dos pequenos lugares e aldeias que ainda há no meio dos montes e vales deste país (cada vez mais) inclinado pr'ó mar, nunca pensaram que depois de lhes terem retirado as estações de correio, os serviços de agricultura, os comboios ou os centros de saúde, nunca pensaram que alguém, um dia, também fosse capaz de lhes retirar o que jamais tinham pensado que seria possível: acabar com as suas escolas e mandar para longe as crianças!
Claro que nada disto foi planeado para fazer mal a ninguém! Claro que ninguém se quis meter na boca do lobo! Claro que estamos num país livre e cada um é livre de fazer a casa onde lhe apetece e de estudar e aprender onde "escolher" fazê-lo! Claro. Mas também é claro que um país que apenas espera que as florestas não ardam - nada fazendo para que não ardam - e cujos cidadãos apenas esperam que não os obriguem a ir viver para a cidade - nada fazendo para que não sejam pura e simplesmente empurrados - não tem condições para sobreviver como povo no território que ocupa porque não sabe, não quer ou não é capaz de aproveitar o próprio território e, naturalmente, os recursos que o mesmo lhe proporciona. Só que, para isso, é essencial que o queira e saiba pôr "ordem no território"!