O Papa Francisco não ratificou a ordenação de homens casados na Exortação Apostólica "Querida Amazónia", mas também não encerrou a questão definitivamente.
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Sobre as conclusões do Sínodo da Amazónia, esclarece logo no início da Exortação Apostólica que decidiu não as citar, não rejeitando explicitamente qualquer uma delas. E recomenda a sua leitura integral (cf. n.oº3). Oiçamo-lo: "Deus queira que toda a Igreja se deixe enriquecer e interpelar por este trabalho, que os pastores, os consagrados, as consagradas e os fiéis-leigos da Amazónia se empenhem na sua aplicação e que, de alguma forma, possa inspirar todas as pessoas de boa vontade" (n.oº4). O Papa exprime assim o desejo que toda a reflexão produzida durante o Sínodo possa ter uma tradução concreta na vida da Igreja.
A Igreja que o Papa sonha para Amazónia, e desta para o Mundo, traduz-se na promoção da "inculturação da fé". Este é um conceito muito caro aos jesuítas, que se especializaram em propor a fé no respeito pelas culturas dos povos a quem se dirigiam. Mesmo em tempos em que a Igreja olhava com desprezo para as culturas dos países de missão e procurava latinizá-las, os jesuítas acolhiam essas culturas, valorizavam-nas e promoviam a encarnação do Evangelho nesses contextos.
Para o Papa "a Igreja deve crescer na Amazónia" através de "um processo necessário de inculturação, que nada despreza do bem que já existe nas culturas amazónicas, mas recebe-o e leva-o à plenitude à luz do Evangelho" (n.oº66).
Esse processo de inculturação passará também pela inculturação da liturgia e do ministério sacerdotal. O Papa propõe que se acolham "na liturgia muitos elementos próprios da experiência dos indígenas no seu contacto íntimo com a natureza e estimular expressões autóctones em cantos, danças, ritos, gestos e símbolos" (n.oº82). Recorda, numa nota, que o Sínodo propôs a criação de um "rito amazónico", como que a desafiar que se avance nessa linha.
Em relação ao sacerdócio, o Papa reconhece que o "modo de configurar a vida e o exercício do ministério dos sacerdotes não é monolítico, adquirindo matizes diferentes nos vários lugares da terra" (n.oº 87).
Para o Papa, nas "circunstâncias específicas da Amazónia, especialmente nas suas florestas e lugares mais remotos, é preciso encontrar um modo para assegurar este ministério sacerdotal (...). É urgente fazer com que os povos amazónicos não estejam privados do Alimento de vida nova e do sacramento do perdão" que só os sacerdotes garantem.
Nas conclusões do Sínodo, a resolução para esse problema passaria por ordenar homens casados. O Papa acha que ainda não é chegada a hora de dar este passo. Propõe antes uma renovação das comunidades cristãs em que os diáconos permanentes, as religiosas e, sobretudo, os leigos assumam as suas responsabilidades (n.oº92).
Quando esses líderes alcançarem uma relevância incontornável na comunidade, levantar-se-á então a questão: porque não serem ordenados? Será dessa forma, tudo indica, que se imporá à Igreja a ordenação de homens casados.
*Padre