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O presidente da República não é o fusível, muito menos o único fusível para, em tempos de propagandeada crise, pôr termo a uma legislatura parlamentar, exonerar o primeiro-ministro ou demitir o Governo. O PR não pode ser considerado um objecto susceptível de provocar um apagão no normal funcionamento das instituições. Representa a República Portuguesa, devendo cumprir as normas vinculativas da CRP que resguardou a separação e a interdependência dos poderes. Os órgãos de soberania previstos na CRP são o presidente, a Assembleia, o Governo e os tribunais. Cabe-lhes cumprir o seu mandato nos precisos termos da lei e executar com transparência e bom senso os seus poderes-deveres que lhes foram cometidos pela República. A soberania reside no povo que a exerce através dos seus representantes. Em síntese, poder-se-á dizer que à AR compete fazer leis, conceder amnistias e perdões genéricos, propor ao PR a sujeição a referendo de questões de superior interesse para o país, zelar pelo cumprimento da CRP e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração (...) O Governo conduz e executa a política geral do país e é o órgão superior da Administração Pública. É responsável perante o PR e a AR. O PM é responsável perante o PR e, no âmbito da responsabilidade política do Governo, perante a AR. Compete-lhe dirigir a política geral do Governo, coordenando e orientando a acção de todos os ministros. Os tribunais administram a Justiça em nome do povo. O PR representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas. Tem competência para a prática de actos próprios e relativamente a outros órgãos. Releva-se a de poder dissolver a AR, demitir o Governo e de exonerar o PM, nomear e exonerar os membros do Governo sob proposta daquele. Deste resumo muito incompleto, resulta, porém, que os órgãos de soberania têm competência própria, cooperam na realização do bem comum, são interdependentes entre si e fiscalizam-se mutuamente na prática dos actos políticos. Não são admissíveis actos arbitrários que atinjam a autonomia e independência de qualquer dos outros órgãos. Assim, o poder do PR dissolver a AR, exonerar o PM ou demitir o Governo implica uma suprema responsabilidade, uma decisão fundamental aos destinos do país, que tem de ser sopesada tendo em conta o desenvolvimento e progresso da nossa pátria. Não é, nem pode ser, um acto leviano e acidental. Como princípio base de todo o Estado de direito democrático exige-se bom senso, ponderação e particular atenção às consequências da decisão a tomar. Penso ser fundamental imprimir uma maior discrição nas tomadas públicas, ponderar as opiniões não sustentadas, evitar o burburinho relativamente a pretensos acontecimentos importantes que afinal não passam de mera espuma. Deve prevalecer o interesse nacional, o debate sério e transparente de assuntos que importam discutir e decidir.
*Ex-diretora do DCIAP
A autorA escreve segundo a antiga ortografia