No Brasil da ditadura militar, nos idos de 60, o ferrete nacionalista era vertido num slogan que ficou na história: "Brasil, ame-o ou deixe-o!", que abria fronteiras - para sair, evidentemente - a quem se recusava a amar aquele Brasil. A frase vem--me à memória de cada vez que se aborda a longa novela do apoio não apoio do PS a Manuel Alegre, salvaguardas as diferenças de contexto, político e histórico. Simplesmente porque não há ninguém no partido indiferente ao político-poeta. Só há quem o ame e quem o odeie, politicamente falando; o assim-assim não tem lugar.
Corpo do artigo
Tal cenário, é bom de ver, não facilita a vida a José Sócrates, que por estes dias anda longe de sonhos da cor do logótipo que em tempos o PS escolheu, quando um sopro de modernidade o obrigou a sacrificar o velho punho fechado. O líder socialista, que não morre de amores por Alegre, bem gostaria de desencantar uma alternativa a um militante que há anos faz gala do não-alinhamento com a Direcção, que teve a ousadia de, nas últimas presidenciais, se apresentar contra o candidato oficial do partido e, cereja em cima do bolo, já garantiu para as próximas o apoio do Bloco de Esquerda, um dos mais estrepitosos opositores do Governo. Mas como os ventos não correm de feição, tudo indica que terá mesmo de engolir um sapo, se não quiser ver o PS, por "falta de comparência", ajudar à reeleição de Cavaco Silva.
Do que ficou dito, não resulta, forçosamente, que o dossiê presidenciais seja terreno escorregadio para Sócrates. Pode fazer da ameaça oportunidade e descobrir, entre os escolhos, os pontos positivos. Numa fase em que a desorientação do Governo entra pelos olhos dentro - chovem declarações contraditórias sobre o(s) rumo(s) a seguir - pode converter a imagem de divisão nas hostes socialistas, a propósito do candidato a Belém, num retrato de pluralismo interno que fica bem a qualquer partido.
Pluralismo com limites, bem entendido: Sócrates não multiplicou reuniões com autarcas, deputados e dirigentes distritais para ouvir e, depois, decidir, mas para assegurar que a orquestra toca afinada finda a fase de "discussão". Dito de outra forma: para testar a sua autoridade no partido. É que decidir, ele já decidiu.