<p>O deputado socialista António José Seguro acha que os 3,1 milhões de euros recebidos por António Mexia, presidente executivo da EDP, como remunerações relativas a 2009 são "obscenos"! Argumento: "Em fase de enormes dificuldades e de exigência de sacrifícios aos portugueses, é incompreensível como se atingem estes valores. É uma imoralidade!". Seguro não está sozinho na cruzada: Mira Amaral (ex-político e actual banqueiro) e Henrique Neto (ex-político, actual gestor e proeminente membro do grupo das pitonisas mediáticas) também já gritaram contra a "imoralidade". Descansemos, portanto. Seguro, Amaral e Neto andam por aí a velar pela máxima: há crise? Os ricos que a paguem. </p>
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Estes tiques costumam ser património de partidos radicais, como o Bloco de Esquerda. São os bloquistas que gritam sempre que os bancos apresentam lucros exorbitantes (na opinião deles), ou sempre que se conhece o vencimento dos gestores de empresas públicas. Percebe-se porquê: estes temas chamam a atenção do "povo", sobretudo do "povo" que chega ao final do mês com o orçamento a zeros. Agora que a crise aperta, o Bloco passa a ter concorrência de peso.
A discussão traz-me à memória a escandaleira que se espalhou pelo país quando Paulo Moita Macedo foi escolhido por Ferreira Leite para liderar a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (DGCI), para onde foi ganhar 23 500 euros mensais. Ninguém cuidou de saber das suas capacidades. Quase ninguém quis esperar para ver os resultados do seu trabalho. Havia ali matéria para estardalhaço; fez-se estardalhaço. Hoje, a passagem de Moita Macedo pela DGCI é aplaudida por todos - ele provou que merecia o que ganhava.
A tese aplica-se a António Mexia e a todos os presidentes de empresas privadas cujos accionistas validam a sua prestação à frente das mesmas. O facto de o Estado deter cerca de 25% na EDP não altera o raciocínio. Pelo que se conhece, o presidente executivo da EDP não se acorrentou à porta da eléctrica pedindo que lhe pagassem chorudos prémios. Foram os accionistas que estabeleceram as regras: cumpridas as metas previamente definidas, a remuneração reflecte uma percentagem dos lucros. Pode pedir-se a Mexia que abdique de uma parte dos 3,1 milhões de euros, por causa da crise que por aí vai? Pode. Mas é um bocadinho patético…
A inveja social é uma atávica característica dos portugueses. Não creio, francamente, que seja isso que move Seguro, Amaral, Neto e muitos dos que com eles concordam. Mas uma coisa é certa: posições como esta apenas servem de combustível para aquela atitude. E, com crise ou sem ela, do que Portugal precisa como de pão para a boca é mesmo de gente com mérito e capacidade de trabalho.