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Perante a rejeição parlamentar do efémero governo da coligação, "Portugal à Frente" (PàF), em 10 de novembro de 2015, o PSD sucumbiu ao choque emocional de uma realidade que fingiu ignorar e abandonou a liderança da Direita ao radicalismo populista da nova direção do CDS. Com a eleição de Rui Rio nas eleições diretas de sábado, fica agora o PSD em condições de retomar o papel que lhe cabe enquanto principal partido da Oposição. O debate público, o permanente confronto de opiniões e perspetivas, a responsabilidade e a prestação de contas são condições essenciais ao funcionamento do regime, ou seja, ao pluralismo político e à alternância democrática. Por isso, porque a qualidade do Governo depende também da qualidade da Oposição que o confronta, aqui deixo os meus parabéns e votos de felicidades ao Presidente eleito do Partido Social-Democrata.
Que fique claro que isto não significa a menor contemporização com os sentimentos dos saudosistas que no PS ou no PSD já começaram a suspirar pela ressurreição do velho "bloco central"! A aliança parlamentar das esquerdas criou novos afetos, novas oportunidades de diálogo que ampliaram as opções de governo no âmbito do sistema parlamentar e uma capacidade de resposta mais assertiva às expectativas e à vontade expressa pelos eleitores. Seria lamentável que esta experiência inédita, tardiamente alcançada, obrigada a vencer os preconceitos mais atávicos, não se incorporasse na história do sistema político como aquisição inestimável e qualificação irreversível do regime democrático.
O funcionamento e a eficácia da "política dos afetos", incarnada de modo superlativo pelo atual Presidente da República, merecem também adequada ponderação crítica e cívica. É largamente consensual o reconhecimento da espontaneidade e até a genuína autenticidade das emotivas manifestações de solidariedade de Marcelo Rebelo de Sousa prestadas, imediatamente, a todas as vítimas das mais cruéis calamidades, e logo imortalizadas em selfies e repetidas reportagens nos meios de Comunicação Social ávidos de lágrimas e de sangue, cegos pela disputa das audiências...
As emoções não perduram, embora o Presidente tenha mostrado notável perseverança na resistência ao cansaço e ao esquecimento que tudo perdoa e apaga. A prevalência dos afetos, incluindo os mais sinceros e legítimos, tem contudo como efeito perverso perturbar a compreensão objetiva dos erros e a identificação dos responsáveis. Porque a ditadura dos afetos sempre conduziu, ao longo da curta história da nossa democracia, à indulgência perante erros que o tempo e a distância tendem a minimizar e à identificação equívoca dos responsáveis que a nossa proverbial bonomia sempre tendeu a confundir. Os comentadores mais oblíquos tendem a ver no assalto ao paiol de Tancos, nos incêndios de junho e de outubro, no colapso mortal das instalações de uma associação recreativa de Tondela mais um falhanço do estado da exclusiva responsabilidade deste Governo. Será assim? Não haverá fatores objetivos, circunstâncias extraordinárias, contextos culturais, histórias ancestrais de complacência e impunidade, para friamente compreender e prevenir a recorrência dessas falhas?
A paixão da transparência parece emocionar também os trabalhos da comissão parlamentar eventual expressamente constituída para a promover. Seriam bem-vindas algumas medidas claras e objetivas como, por exemplo, exigir a dedicação integral dos deputados ao trabalho parlamentar - a exclusividade! Seria aconselhável que se procedesse aos afinamentos que a experiência recomenda na definição dos impedimentos e incompatibilidades, durante e após o exercício de funções públicas. A criminalização de condutas, em particular, merece prudente avaliação. Para evitar que degenere em armadilha onde apenas caem os incautos. E para não oferecer mais um contributo para o descrédito da democracia e a demonização da política.
* DEPUTADO E PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL