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1.O primeiro-ministro tem um amigo de longa data, o amigo é competente na articulação das diferentes malhas que tecem a política, a economia e as empresas, o primeiro-ministro pede-lhe para ser seu consultor, o amigo ajuda o Governo a resolver problemas.
Qual é o drama? Nenhum. Se a relação com o Estado, que não é uma empresa familiar, for transparente, se o consultor à mesa das negociações não tiver mais poder simbólico do que os ministros que lá se sentam, se o dito consultor não tiver tido, direta ou indiretamente, negócios com o Estado, mais a mais em áreas sensíveis em que agora atua.
É, portanto e antes de mais, uma questão de ética e de moral. Não há muito mais a dizer, pois não?
2.É justo reconhecer ao Bloco de Esquerda a luta e o labor mediático pela conquista de direitos de cidadania para muitos portugueses, e portuguesas, que não são cidadãos de segunda e que o eram à luz da lei. Percebe-se, portanto, que um partido que viveu muito alavancado nessas vitórias tenha necessidade de mais causas, digamos, fraturantes.
Diferente é querer agora mudar a designação de "cartão de cidadão" para "cartão de cidadania", servindo-se do argumentário pobre da falta de respeito pela "identidade de género de mais de metade da população portuguesa".
O que verdadeiramente não respeita as portuguesas e os portugueses (para, aqui, deixar felizes todos aqueles que acham que as desigualdades de género estão na terminologia e não nas ações permanentes do nosso dia a dia), escrevíamos, o que verdadeiramente fere (invertamos agora) os portugueses e as portuguesas é a desigualdade salarial, os assassínios de mulheres, as crianças (qual é o masculino?, ou escrevemos meninos e meninas?) deixadas ao abandono pelos pais (outra vez politicamente incorreto, corrija-se, pelas mães e pelos pais, ou agora, como se fala de abandono, não dá jeito?), as idosas e os idosos (agora está bem, certo?) sem condições de vida em lares degradados, mais de dois milhões de portuguesas e portugueses abaixo do limiar da pobreza. Para ficarmos por aqui.
Mais gestos de cidadania e menos folclore ficariam bem ao Bloco de Esquerda. (Já agora, verdadeiramente e sem ironias, o autor destas linhas gosta mais do antigo bilhete de identidade, que mantém, mas se tem que ser preferiria as designações "cartão do cidadão" e "cartão da cidadã". Pode ser?)
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