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A Comunicação Social recordou-nos, esta semana, que passaram já dez anos sobre a data da detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates e os respectivos autos, conhecidos por Processo Marquês, ainda não foram remetidos para julgamento. Esta notícia convoca-nos, de novo, a uma reflexão sobre as causas deste entorpecimento processual. Em alguns casos, a indevida designação de atrasos não são mais que o decorrer das diligências necessárias à detecção da prova dos factos, como sejam as perícias contabilísticas, financeiras, cartas rogatórias, entre outras, que demandam sempre um prazo prolongado. Em outros casos, são usados expedientes absolutamente dilatórios, cujo único propósito é o de atrasar o normal funcionamento processual. O nosso sistema processual penal foi desenhado nos moldes dos figurinos mais humanistas dos areópagos internacionais do direito e da justiça. Alicerçado, ainda, numa CRP de cariz humanista pretendeu atribuir ao arguido todos os direitos de defesa que se vem constatando irem além do aceitável, transformando-se, por vezes, em abuso do direito. Partindo do princípio indiscutível e inalterável, de que a investigação há-de ser realizada com o objectivo de apurar a eventual existência de crime, sua autoria, como, quando e em que circunstâncias foi cometido, não é admissível fixar-se-lhe um prazo peremptório. Neste caso, estar-se-ia a postergar os princípios da verdade material, da legalidade, da objectividade e da justiça, em eventual benefício de um princípio adulterado de oportunidade e, no extremo, de eventual prática de crimes de corrupção, abuso de poder, tráfico de influência, por parte dos titulares do inquérito ou de seus superiores hierárquicos. Bastaria diligenciar no sentido de fazer esgotar os prazos da investigação, sem que nada de interesse tivesse sido apurado. O mesmo se aplica à fase de julgamento, que deve ser aberta e transparente na exaustiva busca da inocência ou culpabilidade do arguido. No entanto, por toda a tramitação processual perpassa um buraco negro onde cabem todas as diligências não relevantes e dilatórias sugeridas e requeridas, por quem tem interesse em reter a marcha do processo. São susceptíveis de reclamação e recurso com suspensão e subida imediata dos autos ao tribunal superior. Em minha opinião, é nestes segmentos que devem ocorrer as alterações cirúrgicas do Código de Processo Penal. Todas as decisões que não se pronunciarem sobre questões fundamentais impeditivas do prosseguimento do processo, as respectivas reclamações, pedidos de esclarecimento e recursos interpostos não devem travar o normal seguimento do processo, na prossecução da justiça material e da celeridade. Sem prejuízo dos respectivos conselhos superiores, da Magistratura Judicial e do MP, acompanharem e estarem atentos aos eventuais desvirtuamentos dos tempos necessários à realização das diligências imprescindíveis à conclusão do processo.
*A autora escreve segundo a antiga ortografia