Os autarcas que apaguem a luz
A prenda era tão, mas tão generosa, que os autarcas cedo duvidaram do maravilhoso mundo de competências que o Estado central lhes estava a prometer, a expensas de uma regionalização encapotada.
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Na verdade, esta modalidade de descentralização mais não tem sido do que um rosário de novas responsabilidades atirado para o colo das câmaras, a que não tem correspondido um cheque que alivie as dores de crescimento impostas àqueles que, por regra, são chamados a resolver muito com pouco. É, por isso, apenas natural a resistência da maioria dos municípios a acatar a passagem de responsabilidades sem a devida compensação financeira. Em particular em áreas tão onerosas e complexas como a educação (as autarquias passam a ser responsáveis por todas as escolas, do Básico ao Secundário), saúde e ação social, mas também no que se refere ao património edificado. A partir deste mês, os municípios garantem a alimentação dos alunos, o seu transporte, a vigilância dos estabelecimentos de ensino e demais despesas de funcionamento - eletricidade, água e gás, por exemplo. Não é coisa pouca. Só os professores continuam a ser da responsabilidade do Estado central.
Não duvidamos do espírito benigno que presidiu a esta estratégia de descentralização, mas fazê-lo desta forma, impondo competências e responsabilidades sem a devida compensação orçamental, só contribui para dar mais umas facadas na urgente necessidade de tornar Portugal menos centralista e territorialmente mais equilibrado. Em vez de estarmos a gerir melhor os recursos do país, dotando o poder local de instrumentos de decisão mais consentâneos com o seu perfil de proximidade, estamos apenas a sacudir, dos ombros influentes da capital, responsabilidades e áreas, formando uma teia ainda mais burocrática e ineficaz. Por isso, os autarcas que apaguem a luz. Ou, no caso em apreço, que paguem a luz e outras faturas. Descentralizar de forma centralista dá nisto.
*Diretor-adjunto