Dantes disfarçava. Tomava-lhes o peso e afivelava um ar de entendido enquanto lhes apalpava as extremidades. Mas já há bastante tempo que desisti de me armar. Assumi que sou um completo ignorante na matéria e por isso peço ajuda à menina ou cavalheiro da frutaria: "Será que me pode fazer o favor de escolher um melão que seja bom e esteja suficientemente maduro para ser comido hoje?".
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Escolher melões é uma arte que não está ao alcance da generalidade dos mortais. Não será tão difícil como a execução do concerto para piano n.0º3 de Rachmaninoff, mas anda lá perto. Apesar de acatar sempre o conselho dos especialistas, nove em cada dez vezes, depois de aberto, o melão, seja ele pele-de-sapo ou casca-de-carvalho, revela--se demasiado duro, verde e desprovido de sabor. Uma maçada!
Só depois de aberto é que se sabe se o melão é ou não bom. O mesmo sucede com os autarcas.
Nas eleições de domingo, tivemos a concurso melões ainda por encetar, como Rui Moreira, que foi o grande triunfador da noite ao derrotar Menezes, um melão já bem aberto, que começou a campanha como D. Sebastião e acabou-a como S. Sebastião, amarrado a uma estaca, com o corpo cravado por setas.
Não há mal em ser um melão por abrir. Apenas expectativa. Da primeira vez que foi eleito, em 1989, Fernando Gomes era praticamente um desconhecido - a passagem de dois anos (83-85) pela Secretaria de Estado da Habitação apenas o retirara do anonimato. Certo que já tinha sido presidente da Câmara de Vila do Conde, mas à época o autarca modelo do PS não era ele, mas sim Narciso Miranda, que mal ou bem (nunca se saberá), não arriscou atravessar a Circunvalação, preferindo quedar-se por Matosinhos.
Apesar de ser praticamente um melão por abrir, Gomes deixou-nos o Parque da Cidade, o Metro, o Centro Histórico classificado pela UNESCO como Património da Humanidade. E apesar de ter soçobrado às mãos de Rui Rio, em 2001, num tolo Alcácer Quibir, conseguiu tornar-se numa espécie de D. Sebastião para os portuenses saudosos dos tempos em que a região prosperava e era respeitada e temida pelo Governo de Lisboa.
Agora que as urnas estão encerradas e os votos contados, eu e a esmagadora maioria dos portuenses estamos a fazer figas para que depois de aberto Rui Moreira se revele um magnífico melão, bem melhor que a encomenda. E que em vez de um Rui Rio melhorado, amigo da cultura e do F. C. Porto, o Porto tenha tido a sabedoria de eleger um presidente capaz de unir e defender os interesses do Norte com pulso rijo, coragem pronta, vistas largas, aritmética e cálculo desembaraçados, verbo desenferrujado - e já agora um pau na mão para resolver os casos mais difíceis.
P.S.: Se a 8 de dezembro, à noite, estiver na Sala Suggia, da Casa da Música, a assistir ao concerto de Pedro Burmester que fecha o ciclo de piano 2013, Moreira dará um sinal inequívoco da sua independência, de que é uma estrela, com luz própria, e não apenas um planeta que reflete a luz alheia.