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A boa saúde, como se costuma dizer, é um estado transitório sujeito a interrupção a qualquer momento. Ninguém está livre de uma doença. Se o estatuto social é linearmente irrelevante, já a condição profissional pode dar uma ajuda. Será um pensamento cândido, mas arrisca--se: um serralheiro, um pintor, um advogado, um jornalista estão mais perto do risco de um AVC do que um enfermeiro ou médico. Quem se preparou e está fadado para viver o dia a dia no tratamento de quem se dirige a uma unidade de saúde é, em princípio, mais cauteloso, está mais perto de dispor de bons hábitos de vida e, como tal, dispõe de um risco menor de ficar pendente de uma "baixa" e dos subsídios da ADSE ou da Segurança Social.
Certo, é sempre possível rebater esta tese. Ninguém está livre de uma doença, insiste-se, mas haverá, com certeza, percentagens de risco diferenciadas consoante o ritmo e o comportamento de cada um.
Seguindo o raciocínio, quem trabalha no Serviço Nacional de Saúde estará, em princípio, menos atreito a doenças - embora um pé torcido, uma queda nas escadas do prédio onde habita ou um acidente de viação não entrem na lei das probabilidades. Espantam, por isso, os números de absentismo denunciados por António Ferreira sobre a realidade do Hospital de São João, a cuja Administração preside, e a partir dos quais o JN partiu para um levantamento nacional preocupante.
Os números, de facto, impressionam e são preocupantes: somados aos esquemas de folgas e de férias, no Serviço Nacional de Saúde há todos os dias 13 700 funcionários a contribuírem para a taxa de absentismo - não só médicos e enfermeiros, como é evidente.
Não há como fugir de uma conclusão: a de que um cenário assim só é possível pela existência de mentalidades pouco sãs e a par de um completo vazio de autoridade forjado em leis iníquas com as quais tem de viver quem, em princípio, administra serviços de tamanha importância.
A taxa de absentismo do Serviço Nacional de Saúde dispõe, ainda assim, de uma qualidade: existe! Ao contrário do que é regra geral da administração pública e que chega ao ponto de o Governo não dispor de elementos fiáveis!
Os absentistas do Serviço Nacional de Saúde dividir-se-ão, com certeza, em várias categorias. Os incapazes para desempenharem as suas funções merecem respeito e os votos de rápida recuperação. Os reguilas, pelo contrário, mancham a imagem de uma das maiores conquistas do país após o 25 de Abril - o SNS - e são o exemplo acabado de como não se deve ser e se impõe mudar leis e esquemas de gestão.
A gente muito profissional e apegada a funções no Serviço Nacional de Saúde não merece ser apunhalada na sua imagem por autênticos baldas.
O combate que o Ministério da Saúde faça a tanta lassidão no controlo de regras só pode ser útil e servir de exemplo para outras áreas. Afinal, os trabalhadores impecáveis agradecerão o afastamento de todos quantos ajudam a denegrir a imagem da Administração Pública - ou de quem por ela está contratado.