<p>O governador do Banco de Portugal (BdP) lembrou ontem aos mais distraídos duas coisas de enorme relevância para o futuro do país: o crescimento dos salários terá de ser, nos próximos anos, basicamente nulo e os impostos, não há volta a dar, aumentarão, de modo a fazer crescer a receita e a ajudar a combater o défice. Realismo como este, vindo de gente tecnicamente insuspeita como é Vítor Constâncio, só faz bem. Por dois motivos: obriga-nos a nós, consumidores, a não tirar os pés da terra; e obriga o Governo, mais cedo ou mais tarde (convinha que fosse mais cedo do que tarde), a colocar-nos perante as evidências: apesar dos sinais positivos que a economia começa a dar, há ainda um longo e muito duro caminho a percorrer.</p>
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Ainda por cima, o governador do BdP foi politicamente cauteloso na forma como expressou as suas ideias: os impostos devem subir, mas apenas a partir de 2011. Isto é: Constâncio considera - e bem, a meu ver - que, dado o estado exangue de muitas famílias e de muitas micro, pequenas, médias e grandes empresas, seria contraproducente aumentar já no próximo ano a carga fiscal.
Da mesma forma, o governador entende que os salários não poderão crescer além do limite previsto para a inflação: 1 a 1,5 pontos percentuais. Ou seja: não haverá acréscimo real do poder de compra. Na Função Pública, nem àqueles valores se deve chegar. Porquê?, gritam já os funcionários públicos. São eles diferentes e menos merecedores do aumentozinho? São. De facto, são. A subida de 2,9% de que beneficiaram em 2009, associada à inflação negativa que se regista no país, faz com que a opção defendida por Vítor Constâncio assente na mais elementar justiça.
Já sei: os sindicatos tratarão de gritar contra a perda de poder de compra acumulada ao longo dos anos em que a inflação "comeu" os aumentos. Carvalho da Silva atirou-se ainda ontem ao governador, pedindo-lhe que acabe com a "ladainha" dos aumentos salariais e que, em vez disso, se preocupe com a acumulação de riqueza do "grande capital", esse conjunto de malandros que comem tudo e não deixam nada. Não é que a razão fuja por inteiro ao líder da CGTP, mas o ponto não é esse. O ponto é este: no actual "estado da arte" do país, discussões ideológicas como essa só servem para deslocar o foco do essencial para o acessório.
O que é essencial? Essencial é reconhecer que a expansão da economia portuguesa, por si só, não será suficiente para trazer para níveis confortáveis o défice das contas públicas. E para nos tirar do rol de países que, segundo a OCDE, terão um potencial de crescimento de 1%, entre 2012 e 2017. Isto só vai lá com reformas estruturais em vários domínios e com contas públicas equilibradas. Vai doer? Depende da responsabilidade do Governo. Quanto mais responsável ele for, maior será a dor. Não há como sair daqui.