Sendo o centralismo o maior problema português e um angustiante travão ao nosso desenvolvimento, todas as medidas que venham diminuir o peso do Estado-Lisboa são bem-vindas e merecem aplauso. Neste particular, o atual Governo é credor desse aplauso. Se passámos anos a defender as virtudes da descentralização, é de elementar justiça reconhecer quando ela se concretiza.
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Na última semana, o Conselho de Ministros aprovou a transferência da gestão da STCP para as autarquias da Área Metropolitana do Porto. Já havia elogiado o mérito do ministro Matos Fernandes e do presidente da empresa, Jorge Delgado, por serem capazes de fazer em seis meses o que outros não fizeram em décadas. A decisão do Governo consuma a mudança e vem aproximar dos cidadãos a operação dos autocarros públicos, por via da passagem da responsabilidade para os municípios, com o Porto à cabeça. Não tenhamos dúvidas que o serviço vai melhorar e que os ganhos serão notórios.
Quase em simultâneo, o Governo decidiu que a coleção Miró, herdada do "falecido" BPN fica, a título definitivo, no Porto. Em Serralves, no Museu de Arte Contemporânea mais visitado do país. Esta vitória fica a dever-se ao trabalho silencioso, mas eficaz de Ana Pinho e de Rui Moreira, que obtiveram esta conquista para a cidade. O Governo não precisava de deslocar os Miró para o Porto e ganhou alguns inimigos com esta opção. Mas nem sempre o mais óbvio é o melhor para o interesse público. E, aqui, ganhando a cultura, o turismo e a economia do Porto, é sobretudo Portugal que ganha.
Não sou adepto do Governo "geringonça" e considero até várias das medidas do último ano perigosamente próximas de algumas das piores práticas latino-americanas. Sou insuspeito, portanto. Posso por isso elogiar sem favor, o cumprimento de uma das promessas eleitorais do primeiro-ministro. António Costa anunciou que este ia ser um governo descentralizador. Seja por ter sido autarca e conhecer as absurdas limitações do Poder Local, seja por genuína convicção, o facto é que António Costa já é o primeiro-ministro que mais contribuiu para a equidade e para o equilíbrio entre as regiões do país. Os casos da STCP e de Serralves comprovam-no.
Chega? Não, não chega! É muito? Pelo contrário. Embora positivos, são primeiros sinais. Sucede que, no Porto e Norte - como no Algarve ou em Trás-os-Montes -, andamos há anos a batermo-nos por isto, pela transferência de competências e meios para os municípios. Por muito atrasado que ele venha, devemos aplaudir o caminho e saudar a opção. Sim, senhor primeiro-ministro. É por aí. Agora, porque é uma imensidão o que nos separa de um país realmente descentralizado, é só uma questão de continuar.
* EMPRESÁRIO E PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO PORTO