O Orçamento do Estado para 2014 não passa, para já, de um péssimo processo de intenções. O beneplácito dos credores internacionais não é, até ver, o bastante para fechar uma janela de esperança no surgimento de alguns retoques suscetíveis de atenuarem ou direcionarem melhor os sacrifícios a ele associados. Desengane-se porém quem se impressionar pela berraria que trespassa a Assembleia da República até 26 de novembro, dia para o qual está marcada a votação final. As barricadas estão já definidas e até se dispensava o triste espetáculo das próximas semanas. Os paus-mandados do PSD e do CDS votarão a favor do documento; os paus-mandados do PS, PCP, Verdes e Bloco de Esquerda votarão contra.
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O Governo e a maioria que o apoia ultrapassarão com facilidade o aparato cénico do Parlamento. Mas não ficam logo de mãos livres para "fabricar" mais receita para os cofres do Estado sob o eufemismo de cortes na despesa, isto é, salários e pensões.
O OE 2014 tem todos os condimentos para adensar a confusão, dependendo do comportamento do presidente da República e de qual o tempo e espaço dado ao Tribunal Constitucional para proceder à validação ou ao chumbo do projeto.
A análise toldada pelo choque das propostas tem, de facto, ocultado as implicações (cruzadas) das decisões do Palácio de Belém e do Palácio Ratton.
Cavaco Silva, antes de mais ninguém, tem a chave do enigma.
Apesar de todas as dúvidas, o presidente da República jamais enviou um Orçamento do Estado para fiscalização preventiva - o que confere um prazo de 25 dias para o pronunciamento do Constitucional. Sob o argumento de que nas atuais circunstâncias o país não pode viver por duodécimos, Cavaco Silva tem validado todos os OE, optando, só ou acompanhado, pela fiscalização sucessiva de algumas normas. Ou seja: os sarilhos têm surgido sempre mais tarde. O OE de 2012 teve vetos constitucionais apenas em julho; o OE de 2013 um pouco mais cedo, em abril deste ano. Em ambos os casos, as retificações impostas, idênticas às agora por muitos desejadas, surgiram já com vários meses de execução orçamental.
Marcada para os próximos meses a negociação de um programa cautelar substitutivo do programa de resgate em curso até maio de 2014, eis-nos então situados numa espécie de central nuclear recheada de botões mortais, se premidos.
Cavaco Silva vai desta vez desdizer-se e remeter ao Constitucional um pedido de fiscalização preventiva, correndo o país o risco de ficar sem orçamento em janeiro? Se se mantiver coerente, quando vaio Constitucional pronunciar-se sob um pedido de fiscalização sucessiva? Em fevereiro, em março, em abril, mesmo em maio, com a troika de malas feitas? Ou até depois?
Sobram as perguntas num enormíssimo mundo de dúvidas.
Assim como assim, não se acreditando na pachorra eterna dos credores, os próximos meses contêm todos os ingredientes prévios para que tudo corra mal ao país.