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Um vendedor ambulante na praia apregoava guarda-sóis com a promessa de serem os mais robustos e protetores do mercado. Resistentes aos raios mais agressivos, garantiam sombra nos dias abrasadores e refúgio de frescura para toda a família, permanecendo firmes quando abanados pelas teimosas nortadas de agosto. Crédulos e esperançosos, fartos de ver os seus guarda-sóis a rolarem pelo areal e as respetivas lonas esventradas pelo vento ano após ano, não faltaram banhistas a querer adquirir a nova sensação de verão. Mas quando o sol começou a queimar com força, aperceberam-se de que o impenetrável tecido se revelava afinal esburacado, permitindo a passagem do calor e deixando as pessoas sem proteção, sobrando apenas o cabo do guarda-sol, firme na mão, mas inútil contra os escaldões.
Entre promessas de resguardo e a realidade que se infiltra pelos buracos, também o Governo parece estar a entregar às famílias um abrigo diferente do apregoado, oferecendo-lhes uma sombra furada por onde se infiltra a claridade da vida real. Nos discursos, a família tem sido apresentada como prioridade, mas as medidas recentemente anunciadas parecem esquecer que a família não é um conceito abstrato - é um conjunto de pessoas que precisam de condições concretas para viver com dignidade. E dignidade não se constrói com palavras, mas com políticas consistentes e firmes. Resistentes aos fenómenos extremos - os meteorológicos e os outros.
Os entraves ao reagrupamento familiar dos imigrantes, agora considerados inconstitucionais pelos juízes do Palácio Ratton, são buracos no guarda-sol. Os limites à redução do horário de trabalho para mulheres que amamentam, com base em supostos abusos de que não há evidência (por oposição a abusos do patronato identificados pela ACT), são buracos no guarda-sol. Os constrangimentos ao direito de recusa de trabalho noturno e fins de semana para pais de filhos até 12 anos são buracos no guarda-sol. E a pretensão de eliminar o direito a falta por luto gestacional - aplicado a perdas gestacionais precoces não abrangidas por baixa médica, 100% remunerado para ambos os pais e para o qual a prova exigida é uma simples declaração do hospital ou centro de saúde -, substituindo-o por uma licença mais burocrática que não garante remuneração ao pai ou acompanhante da mulher, é outro buraco no guarda-sol.
As famílias precisam de proteção. Mas não de uma reforma laboral que a campanha não fez antecipar e que parece querer reformar os trabalhadores. Precisam, sim, de habitação digna, um sistema de saúde que funcione, uma eficiente rede pública de creches, horários compatíveis com a vida familiar, apoio à parentalidade e proteção nos momentos de perda. Sem isso, continuaremos a viver num país onde as pessoas torram ao sol. Que por estes dias queima.