Corpo do artigo
Apesar da minha costela ambientalista, não tenho conseguido fazer deslocar as equipas com que trabalho até Lisboa transportadas em simpáticos burros mirandeses. Não é prático. São jornalistas, operadores de imagem ou de som e não conseguiriam ir e vir no mesmo dia, o que seria péssimo para a produtividade. Claro, podem ir de comboio. E vão. Mas infelizmente é mais caro enviar uma equipa de três pessoas num Alfa do que num veículo. Mas pior ainda: o mundo não é só Lisboa e nem todas as terras têm comboios ou autocarros de hora a hora para a capital. Uma equipa que pretenda fazer reportagem no mesmo dia, por exemplo, em Salvaterra de Magos de manhã e Benavente à tarde, não consegue usar comboio e táxis, para três pessoas, sem gastar uma fortuna. E nunca chegaria a horas...
Portanto, pensava eu que para as pessoas trabalharem teriam de ir, algumas vezes, em carrinhas de empresa. Faria parte das ferramentas da economia. Mas estou errado. O Fisco acaba de alterar as regras da "Tributação Autónoma" para 2014 a ponto de classificar viaturas com mais de três lugares no patamar dos bens de luxo. As taxas de impostos sobre estes veículos sobem dos atuais 10% ou 20% para três novas categorias - 15%, 27,5% e 35%. Nenhum carro com cinco lugares fica isento. De zero a 25 mil euros pagam (15%), entre 25 e 35 mil a taxa é de 27,5% e a partir daí é a loucura: 35% de imposto sobre todas as despesas do carro. Se as empresas têm prejuízos, todas pagam ainda mais 10% em cima disto.
Será que já alguém avisou o Governo que a economia de hoje são pessoas? Portugal não pretende subir na cadeia de valor e ter empresas com "massa cinzenta"? Sabemos agora que não. Repare-se: uma carrinha média ou monovolume VW Sharan custa em média mais de 35 mil euros. Será taxada entre 35 e 45%...
Estas carrinhas não são de trabalho, são rendimento das pessoas que as usam - diz o Fisco. Em parte é verdade. Mas o custo dos atuais 20% já era brutalmente penalizador e taxava esse uso parcial. Agora, com esta decisão, as empresas vão ter de meter tudo o que são gestores, vendedores qualificados, diretores de marketing, etc., em carros que caibam nos 25 mil euros. É o nivelamento "chinês" em curso em nome do "liberalismo".
A tributação autónoma, recorde-se, incide sobre tudo o que envolva o carro - combustível, portagens, seguros, revisões, imposto de circulação (!), estacionamento... e é o preço de compra que vai afectar a taxa a pagar por estas despesas. Chega-se ao fim do ano, somam-se todas as despesas anuais e... é um susto!
Mas a coisa não fica por aqui: até há uns anos o veículo pagava o imposto em função do patamar de "luxo" que existia na altura da aquisição. Por exemplo: se custava mais do que 50 mil euros, estava sujeito. Ora, agora, de uma assentada, o Estado desce o nível para 25 mil euros - e faz retroatividade. Não interessa o patamar que custou. Conta a partir de agora, nem que tenha 10 ou mais anos.
Exemplos: uma empresa que tenha comprado uma carrinha Renault Megane por 28 mil euros, em 2007, passa a partir do próximo ano a pagar 27,5% de imposto sobre todas as despesas desta carro. Em 2007 o encargo era de 10%. O Fisco ignora completamente que este veículo já foi totalmente amortizado e pagou todos os impostos face ao seu valor à época. Ele hoje vale zero no balanço (foi amortizado nos obrigatórios quatro anos). Mas, de repente, aparece na categoria de carro que vale 27,5% de imposto - e se a empresa tiver prejuízos, cada despesa do carro tem uma sobretaxa de imposto de 37,5%!...
Estas questões são pensadas a partir da Lua, ou seja, a partir do centro - Lisboa. Ninguém tem a menor dúvida que isto é mais um imposto absolutamente injusto para quem está longe do centro (a capital) porque é na capital que está o maior rendimento per capita do país, os principais negócios e centros de distribuição.
A conversa sobre a descida do IRC é, no mundo real, um dos embustes dos últimos tempos. Nas PME não se está a pensar um minuto que seja sobre se o IRC desce de 25% para 17% porque neste momento a esmagadora maioria das empresas não tem lucros. Sabem que mais? Afinal, sempre há burros a ir à capital. Só que vão dentro dos automóveis.