Oito e pouco da noite. Toca o telefone. Se não for alguém de família, quase os únicos a recorrerem, hoje em dia, ao telefone fixo, já sei quem é: bancos, empresas de telecomunicações, promotores, operadores da TV por cabo ou uma qualquer empresa de sondagem. Com excepção das últimas, que procuram sempre alguém num escalão etário que não existe lá por casa, todas as outras se propõem "oferecer-me" alguma coisa irrecusável. Talvez por isso ficam tão atónitas quando declino a proposta, às vezes atalhando o debitar da "cassete", outras vezes depois de a ouvir.
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Contudo, numa economia de mercado, vale a pena ter informação sobre as alternativas. Torna-nos menos dependente de um único fornecedor, dá-nos margem negocial para lhe exigirmos melhores condições e facilita a mudança e a melhor afectação de recursos. Embora o possa irritar, sobretudo pelo horário escolhido, estes contactos têm a sua utilidade, se souber quando dizer sim ou não.
Para além da hora, há uma outra coisa, porém, que verdadeiramente me dói: o baixo nível de educação e formação dos operadores. Se já recebeu um desses contactos, deve ter-se apercebido de que, depois de o identificarem, se for homem, o passam a chamar pelo primeiro nome, antecedido de "senhor", uma forma de nos dirigirmos a alguém a que nunca se recorre, por indelicada, num primeiro contacto. Mas o problema não se fica por aí. Se, depois de ouvir a lengalenga inicial, fizer uma pergunta que está fora do guião, raramente consegue obter uma resposta cabal e o português que, até aí, era minimamente escorreito torna-se, frequentemente, desastroso. A má qualidade do serviço é, ainda, mais patente quando se recorre aos serviços de apoio ao cliente.
Permita-se-me um aparte para chamar a atenção ao secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor: nunca se deu conta de que, hoje em dia, a generalidade destes serviços tem um número telefónico que implica um custo para o cliente? E que este aumenta com a demora no atendimento, premiando os mais incompetentes? Não acredito que ninguém recorra a estes números por prazer. Se é por necessidade e, normalmente, na sequência de um problema com o serviço prestado, qual a razão para o custo do contacto ser suportado pelo cliente?
Voltemos aos call centers e à sua falta de qualidade. Dir-se-á que são empregos mal pagos que, por isso, atraem indivíduos com poucas habilitações. Não é verdade. No centro de atendimento que a PT vai abrir em Santo Tirso, exigia-se o 12.º ano, o que deve ser mais do que suficiente para que se tenha adquirido um mínimo de regras de socialização, na escola se não na família. Que tenha havido imensas dificuldades em arranjar mil pessoas com essa escolaridade diz bem de como está a nossa região em termos de qualificações. É óbvio, contudo, que nem todas as responsabilidades podem ser assacadas à escola ou à família. O teste prático mostra que a preparação que as empresas dão aos seus colaboradores deixa muito a desejar. O que pode revelar incompetência dos responsáveis pela formação ou, pura e simplesmente, uma menor consideração pelos clientes. Afinal, quem acha que estes devem suportar os custos da reclamação também é capaz de achar que lhes basta ter um interlocutor, mesmo que este não seja capaz de lhes resolver o problema...