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Já está decidido, preto no branco: de um lado, temos os defensores do Estado social, do outro, os defensores do capitalismo neoliberal. Os primeiros querem saúde gratuita para todos, alunos ricos e pobres confraternizando nos recreios da escola pública, contrato de trabalho garantido até à idade da reforma; os segundos querem entregar os hospitais aos grupos privados, cobrar propinas no ensino básico, permitir o despedimentos com ou sem razão.
Pode parecer uma caricatura, mas é mais ou menos esta a síntese do debate político dos últimos dias. O PSD apresentou a sua proposta de revisão constitucional, o PS argumentou que é uma proposta de Governo e, num ápice, parece que já estamos em plena campanha eleitoral, com comícios sobre o Serviço Nacional de Saúde e tudo. Sendo que os papões neoliberais são os do PSD; e os campeões do esquerdismo, os ortodoxos do Estado social, são os socialistas.
Para que não restassem dúvidas, os segundos aproveitaram a última reunião do Conselho de Ministros para dar mais um sinal do seu apego à protecção social, sobretudo se estiverem em causa os mais pobres; e do seu desprezo pelos capitalistas, sobretudo se forem multinacionais com cujos donos não se priva ao almoço. Assim, decidiram que o preço dos medicamentos, de todos os medicamentos, baixa 6% a partir de 1 de Outubro. E que essa revisão de preço se faz à custa dos lucros das empresas. Mais de esquerda não se pode ser.
Acontece que o Conselho de Ministros decidiu também reduzir as comparticipações de alguns dos medicamentos mais utilizados. O que significa que o cidadão, rico ou pobre, vai pagar mais do que até aqui, anulando-se os efeitos da baixa de preços. E aproveitou ainda a ministra da Saúde para acabar com as borlas. O dito Estado social não cobrava nada aos pensionistas mais miseráveis. Isso agora acabou e os mais pobres entre os mais pobres passam a pagar pelos seus medicamentos. Digamos que, na passada quinta-feira, data da referida reunião ministerial, houve uma espécie de intervalo na paixão socialista pelo Estado social.
Mas na verdade quem quer saber da prática política? Importante é manter a coerência do discurso. E quando se trata de um comício, o PS é, de facto, o campeão do Estado social.