Comecemos pelo princípio. O Governo quer despedir funcionários públicos. Porque acredita nessa solução e porque foi isso que acordou com a troika. E vai cumprir. Nem que seja só um bocadinho. O problema é que despedir pessoas é uma tarefa desagradável, gera gritaria nas ruas. Por outro lado, a palavra despedimento é pouco recomendável para quem quer fazer carreira política e enfrentar eleições.
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Vai daí, numa primeira fase, onde se lia "despedimento" os nossos criativos governantes colocaram "mobilidade especial". Os assessores de imagem não ficaram satisfeitos com a maquilhagem e encomendaram outra, a que chamaram "requalificação".
Um conceito genial. Não há ninguém que não tenha sido confrontado, num qualquer serviço público, com um funcionário mal disposto, eventualmente incompetente, mesmo a precisar de uma "requalificação". É um termo que remete para um potencial de transformação, de futuro.
Aqui chegados, os cínicos passaram à ação. E um dos que se chegaram à frente foi o ministro Pedro Mota Soares, o que é claramente apropriado à situação: se é para mascarar despedimento com requalificação, então que se promovam despedimentos com solidariedade.
Foram assim selecionados 697 funcionários da Segurança Social para se "requalificarem" em casa, com pagamento de 60% do salário nos primeiros 12 meses, e uma de duas a partir daí: 40% do salário até ao dia da aposentação, ou despedimento puro e simples.
Os sindicatos, essas entidades corporativas resistentes à mudança e à modernidade, lembraram que a Segurança Social, não só não tem gente a mais como recorre sistematicamente ao trabalho precário para tapar vários buracos. E reagiram com a única arma que lhes restava, apresentando uma providência cautelar junto de um tribunal. De nada lhes servirá. O ministro mandou dizer que invocará o interesse público, outro conceito que casa bem com o despedimento de pessoas.
Como se pode ler na página online da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público, o interesse público "tem um sentido e conteúdo variável". É, por outro lado, incontestável que, numa democracia saudável, o interesse público também seja "definido pelo Governo". Mas não está escrito em parte nenhuma que se use o interesse público como arma de agressão contra os portugueses. O cinismo está infelizmente em alta no debate político. Mas é inaceitável na ação política.