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Anda aí um grupo de conjurados que, por via fiscal e outras alfaias da política, se propõe prescrever ao Estado o mesmo tratamento que Robin dos Bosques deu ao Xerife de Nottingham - só que, desta vez, em benefício do interior e de medidas ativas de investimento público que contrariem o abandono e estimulem o povoamento e a ocupação do território, chão nosso.
Estamos com eles! Porque há um retrato que não nos orgulha: é o de um mesmo país desigual, que ainda agora deixa morrer Maria, enquanto Ângelo, sem telefone desde os incêndios de verão, caminha debalde à procura do mesmíssimo socorro que também faltou a outros quando tudo, então, ardia ali à volta. Há um traço comum à maioria das desgraças coletivas que a nossa memória regista: elas revelam um Estado precário, por vezes ausente. Acontece que o Estado também somos nós e as escolhas que fazemos ou deixamos fazer.
Os nove distritos do interior representam dois terços da área de Portugal continental, mas acolhem menos de um quinto da população contribuinte. Logo, menos votos, menos algazarra, menos influência. E vamos dar sempre ao mesmo: a necessidade de fixar populações e atrair investimento capaz de valorizar o que já temos e de criar riqueza e emprego. O desafio vem de longe: procurar inverter a fatalidade e trazer para a agenda política as oportunidades de um outro olhar sobre o que é nosso.
No passado, o povoamento foi essencial para assegurar a soberania territorial, foi sangue com que desenhámos o mapa. Hoje, é indispensável afirmar a soberania democrática para contrariar o abandono e assegurar o povoamento, devendo o Estado assumir os custos da ocupação mínima do território, sustentando a manutenção de serviços essenciais. Tudo tem custos e os recursos são escassos, mas gerir é fazer escolhas e estabelecer prioridades.
É certo que o Governo inscreveu a valorização do território e a descentralização como pedras angulares do seu programa e da reforma do Estado. Mas faz agora dois anos que António Costa levou a quase totalidade dos seus ministros a Idanha-a-Nova, Espanha à vista, para proclamar essa prioridade, e as políticas tardam a sair do tinteiro. É certo que algumas medidas reclamam consenso alargado, mas há agora no principal partido da oposição um novo líder com um discurso convergente quando se fala de descentralização. O Movimento pelo Interior, que conta com o patrocínio do presidente da República, volta a reunir-se no fim desta semana, em Viseu. Enquanto tal, é bom que António Costa e Rui Rio comecem a falar do que interessa. Amanhã já não é cedo.
*DIRETOR