O presidente Marcelo Rebelo de Sousa colocou o problema dos sem-abrigo na agenda mediática. Lançou o desafio de os tirar da rua em duas legislaturas, até 2023. Uma já se cumpriu.
Corpo do artigo
O desafio serviu, pelo menos, para delinear uma Estratégia Nacional de Integração dos Sem-abrigo (ENIS). Na passada quinta-feira, foi empossado o gestor da ENIS, Henrique Joaquim, doutorado em Serviço Social e, até agora, presidente da Comunidade Vida e Paz, que há mais de dez anos se dedica a este problema.
Embora a sua formação académica seja importante, é bem mais relevante o trabalho que tem desenvolvido na integração dos sem-abrigo, como transparece na sua entrevista à Renascença e ao "Público". Conhece bem a complexidade do que se passa com as pessoas que vivem nas ruas e qual deve ser o objetivo da intervenção junto delas: não é "levar comida", mas sim "tirar as pessoas da rua".
Henrique Joaquim apela às pessoas para que "não deixem de ser solidários, não deixem de ser voluntários, não deixem de ter uma resposta assistencial, mas não caiam no assistencialismo. O assistencialismo não tira a pessoa da rua, não resolve o problema ainda que naquela noite tenha matado a fome a uma pessoa, não a tira dessa condição".
O assistencialismo é o grave problema de muitas medidas governamentais e da forma como é exercida a solidariedade social, nomeadamente pelas IPSS. Por vezes a preocupação maior é acorrer às situações, resolvê-las pontualmente em vez de procurar erradicá-las. Isso não acontece só com os sem-abrigo, mas com outras situações de pobreza ou exclusão social.
Segue-se o caminho mais fácil de despejar dinheiro para cima dos problemas em vez de olhar a pessoa, conhecer a sua situação e ajudá-la a sair dela. É muito mais fácil dar um donativo, ou realizar uma atividade pontual de assistência aos necessitados, do que ser próximo, criar empatia com a pessoa e implicar-se na resolução dos seus problemas.
Sobretudo em organizações de cariz religioso, como refere Henrique Joaquim, acontece resvalar-se para este assistencialismo. É muito fácil lançar campanhas de recolha de géneros para os pobres, ou levar refeições aos sem-abrigo, angariar bens para os reclusos. Já acompanhar pessoas, retirá-las da situação de pobreza em que se encontram, tirá-las das ruas ou reinserir os que são libertados da prisão é muito mais difícil. Mas é por aí o caminho.
Os cristãos são os seguidores de um Deus que quis nascer pobremente num estábulo, no seio de uma família humilde e que assumiu a condição de sem-abrigo. A um discípulo que o queria seguir disse: "As raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça". (Mt. 8, 20). Acabou a sua vida recluso e condenado à morte. Os cristãos, por isso, devem não só ser particularmente sensíveis a este tipo de situações, mas devem tentar imitar Cristo na forma como ele se relacionava com as pessoas que dele se abeiravam. Não acorria só às suas necessidades, empenhava-se em transformar completamente as suas vidas.
Padre