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Bem diz o povo que "nas costas dos outros vemos as nossas". Por isso mesmo, faz todo o sentido analisar o que se passa no SNS inglês, que está em crise financeira devido aos cortes extremos que lhe foram aplicados, para mitigar os mesmos erros e consequências.
Nada do que está a acontecer em Inglaterra é surpreendente, conforme os relatórios do King"s Fund. A assistência aos doentes já está a ser afetada, os prestadores continuam a procurar formas de fazer mais cortes, devido aos défices elevados, e a obrigação de respeitar as regras da Care Quality Commission aumenta o aperto (BMJ 2015; 351:h5495).
A grande questão é o que fazer agora, com o inverno à porta, que acentua a pressão sobre o sistema e eleva a despesa, não havendo a possibilidade de equilibrar os orçamentos no curto prazo.
A necessidade de manter os níveis assistenciais exige que os recursos humanos sejam suficientes. Ora, os prestadores do SNS têm recorrido crescentemente a empresas fornecedoras de mão de obra, o que aumenta os custos e é um dos fatores responsáveis pelo aumento do défice.
Naturalmente, os hospitais do SNS não podem falir e têm de continuar a prestar cuidados. Por conseguinte, a crise financeira corre o risco de evoluir para uma crise da prestação de cuidados, com aumento das listas de espera, cirurgias suspensas para atender doentes urgentes, ambulâncias à porta dos hospitais e doentes à espera de camas.
As opções não são simples. Ou há um reforço do orçamento ou então será preciso relaxar os objetivos de não ultrapassar as quatro horas de espera nos serviços de urgência e as dezoito semanas de espera para exames e cirurgias, correndo-se o risco de se regressar à situação dos anos 90, em que as longas listas de espera eram uma das principais preocupações das pessoas. Para evitar uma sobrecarga adicional dos serviços de saúde, será desejável reforçar também o orçamento da segurança social.
As alternativas serão abandonar alguns dos objetivos traçados, que visavam aumentar a segurança dos doentes nos hospitais, como o desiderato de garantir a suficiência dos recursos humanos das várias profissões da saúde.
A causa da atual crise financeira do SNS inglês não é má gestão mas, sim, financiamento insuficiente para proporcionar aos cidadãos os cuidados de saúde que esperam. A verdade é que o financiamento da saúde inglesa está abaixo da média da OCDE, tanto em termos de percentagem do PIB como de despesa per capita. Não há milagres.
Reconhecer que o financiamento é insuficiente não será fácil para o primeiro-ministro inglês, mas a verdade é que, se o orçamento não for reforçado, se assistirá a uma degradação progressiva da assistência aos doentes, o que poderá desencadear uma crise política.
O Governo e o povo têm a palavra.
* BASTONÁRIO DA ORDEM DOS MÉDICOS