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O sismo fiscal com epicentro no Terreiro do Paço, Lisboa, ontem oficial e definitivamente anunciado ao país pelo ministro das Finanças, o meteorologista de serviço, fez vítimas por antecipação. Nos Açores, as réplicas do sismo destruíram, com a mesma facilidade com que a água do mar destrói um castelo de areia, a candidatura da pobre Berta Cabral, que um dia sonhou ser presidente do arquipélago. Não é preciso ser grande adivinho para perceber que os próximos abanões trarão prejuízos de muito maior monta para o esgotado PSD do esgotado Passos Coelho.
As facas, de resto, estão já nas mãos do amolador, para estar no ponto quando a altura chegar. As reações dos autarcas do PSD que poderão recandidatar-se a novo mandato dizem tudo: o momento do ajuste de contas não está longe. "Este PSD não está à altura do desafio que o país impõe", diz ao JN, em tom agreste, o autarca de Paredes, que antevê "um desastre social". "A derrota nos Açores foi de Passos Coelho", acrescenta o homólogo de Oliveira de Azeméis. "Quem vai pagar a fatura são os que menos têm a ver com isto", soma o presidente de Felgueiras. A tenda está, portanto, montada.
Convém reter este pormenor: quem assim fala são autarcas com obra (bem ou mal) feita, com caminho percorrido. Imagine-se o estado catatónico em que se encontrarão aqueles que se candidatarão com a sigla das setas pela primeira vez."É preciso aplaudir-lhes a coragem...
O líder do PSD devia guardar um destes dias de profunda agrura e amargura para (re)ler "A arte da Guerra", do consagrado Sun Tzu. O futuro de Passos não está escrito nas estrelas: está naquele livrinho. "Quando as tuas tropas estão desanimadas, a tua espada embotada, esgotadas estão tuas forças e teus mantimentos são escassos, até os teus se aproveitarão de tua debilidade para sublevar-se. Então, ainda que tenhas conselheiros sábios, ao final não poderás fazer que as coisas saiam bem".
Ora, se há coisa que os conselheiros de Passos não têm sido é sábios. Supondo que nenhum milagre os iluminará nos próximos e decisivos meses, o que o PSD tem pela frente nas autárquicas de 2013 é uma espécie de teste à sua sobrevivência enquanto partido interclassista. Uma fragorosa derrota deixará em frangalhos as bases do PSD. Quem vier a seguir não terá tempo para colar os cacos, de modo a chegar inteiro às legislativas.
Conclusão: no pós-Passos Coelho, os sociais-democratas farão uma nova e longuíssima travessia no deserto, assente num poder autárquico frágil e com uma reduzida margem de manobra para captar novos militantes e/ou simpatizantes.
A herança deixada por Passos Coelho será pesadíssima. Vai levar tempo até os portugueses esquecerem os efeitos devastadores do sismo.