Há uns tempos, em Vila Real, observei um jovem, na casa dos 20 anos, a comprar dois jornais. Porque ver alguém daquela idade sobraçar imprensa em papel é, por estes dias, uma imagem quase de ficção, ousei perguntar-lhe se ia ler aquilo que acabava de comprar.
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Olhou-me com alguma estranheza e explicou que os jornais eram para o avô. Nem sequer eram para o pai, dei comigo a imaginar.
Esse avô, tal como eu, era, com certeza, alguém que gostava de folhear a imprensa, de perceber, pelo lugar onde a notícia "sai", a sua importância relativa. Olharia primeiro, como toda a gente, a página de rosto, depois talvez a terceira ou a última e, tal como a psicologia tradicional aponta, daria, provavelmente, mais importância àquilo que vem nas páginas ímpares do que nas páginas pares - numa das quais, no entanto, o leitor está a fazer o favor de me ler, neste momento, porque quem gosta da opinião sabe onde procurá-la.
No bairro onde vivo, em Lisboa, conseguir comprar um jornal é uma tarefa que exige já uma certa "expertise" - e falo dos tempos de vida normal, não deste confinamento, que nos faz perceber melhor o que deve ser estar com "residência fixa" ou de pulseira eletrónica. As escassas tabacarias, quase já só nos bairros adjacentes, fecham cedo, em algumas certos jornais ou revistas esgotam-se rapidamente, em outras há títulos (como este JN) que nunca surgem à venda. Repito: começa a dar já algum trabalho comprar imprensa em papel.
Não quero parecer catastrofista, mas, ainda antes desta crise, era óbvio que a imprensa escrita estava a perder popularidade - imagino que com exceção da que alimenta o sectarismo desportivo ou a especializada no "voyeurisme" do crime, na vida social dos "famosos", nos desastres e em tudo o que "corre mal". E, mesmo essa, ao que consta, estará também a declinar, substituída pelo comodismo da imagem televisiva repetida à exaustão. Irá esta crise ser-lhe fatal?
Sinto-me um utente viciado em plataformas de informação em declínio. Comecei já a migrar para o online, embora não deva ser exemplo maioritário nas pessoas da minha faixa etária. Uso iPad e iPhone e percebo o truque dos títulos preparados para os "clickbaits", que dão aos jornais números para encantar os anunciantes. Não tenho hoje falta de notícias, tenho mesmo notícias a mais, o que é diferente de ter melhor informação. A informação são as notícias trabalhadas por alguém que nos dá plena garantia de isenção. Nos dias que correm, estou a perder esses mediadores de confiança.
*Embaixador