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Não fosse o nosso olhar, sempre em primeiro lugar, para o umbigo, ou a vivência despreocupada do ditado popular "com o mal dos outros podemos nós bem", talvez já tivéssemos chegado à conclusão que a instabilidade que o Mundo vive nestes dias, agravada com a eclosão das "revoluções pela liberdade", agora e ainda, em fase de Primavera, no mundo Magrebe e islâmico, teria de fazer repensar profundamente o afrontamento que estamos a fazer à crise do mundo ocidental e àquela que nos dói particularmente do nosso país.
Para já, estamos numa antecâmara agonizante deste desconsolado país, que nem precisa que sejam os outros, os estranhos ou estrangeiros, a dizer mal de nós, pois nos encarregamos disso à saciedade. O país está mal. Mas o modo como, politicamente, nos estamos a flagelar imprime ainda maior sufoco. Entre portas, os nossos "agentes políticos" ainda não se aperceberam ou recusam aperceber-se na desconfiança total que recai, não só sobre o Governo de Sócrates, mas sob todos os que politicamente, por acção ou omissão, nos trouxeram até aqui. E, então, esfalfam-se a clamar contra a "desgraça" em que estamos. Lançam em força, não o "dia da raiva", mas o "discurso da raiva". Que, como sociedade nacional, nos vai consumindo tanto, ou mais, como o juro acima do aceitável que estamos a conseguir para pagar a dívida da dívida. Não precisamos de discursos que nos enfeiticem da realidade. Contudo, sem ânimo nunca vamos convalescer.
Mas a hipocrisia dos condutores deste Mundo é dentro e fora e não tem limites. Agora, todos batem no peito e disfarçam as responsabilidades que tiveram em contribuir para os longos reinados de um Mubarak ou de um Kadafi. Os repórteres que arriscam a andar por essas paragens, vêem, às claras, o "made in" das armas de guerra ou dos tanques que percorrem as ruas. O episódio da viagem ao Médio Oriente do "ainda impoluto" liberal chefe inglês, David Cameron, que os jornais, talvez envergonhados, narram em páginas interiores é bem ilustrativo desta hipocrisia global: Cameron, em plena praça Tahrir, no Cairo, diz-se impressionado com os jovens que lideraram a revolta contra Mubarak; mas escondeu que essa viagem, acompanhado dos representantes das principais indústrias de defesa, era para tratar da venda de armas nesse Médio Oriente, fonte de grossos milhões de libras.
Viver acima das posses que temos lança-nos na crise das dívidas. Viver abaixo da compreensão dos povos tira-nos a visão do Mundo que habitamos.