À Dona Maria José e a todos os outros. Escrevo no Dia Internacional da Pessoa Idosa. "Os dias de..." presenteiam-me com um travo de culpa e desilusão.
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Sinto-os como semáforos anuais, exibindo amarelos intermitentes. Justificados - "atenção, fiquem alerta!" -, mas tristemente repetitivos, no ano seguinte quantas vezes nos congratulamos por terem passado a verdes?
Leio as notícias sobre o relatório "Portugal Mais Velho", elaborado pela Fundação Gulbenkian e a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. A necessidade de benefícios fiscais ou comparticipações parece-me evidente, bem como o sublinhar de lacunas legais no que ao envelhecimento em geral e à violência doméstica em particular diz respeito.
A possibilidade de deserdar abusadores e agressores releva da mais elementar justiça, o Manuel Molinos disse-o nestas páginas. Mas "o crime não compensa" é uma frase prenha de wishful thinking e vazia de provas concretas. Sobretudo quando acontece no "remanso" da família, esse espaço afectivo tão cheio de perigos como afagos.
À melhoria da fiscalização acrescentaria o retirar das suas consequências práticas, somos inundados por notícias que começam assim - "Já no ano... várias deficiências tinham sido verificadas e sugeridas alterações". Resultado? Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes.
Saliento seis palavras: "... as pessoas idosas, mesmo que ativas...". A visão dos mais velhos como encargos para uma sociedade que se afadiga para os sustentar não desrespeita apenas o passado laboral de muitos, ignora o presente de tantos outros. Vejamos o exemplo da Inglaterra, em 2017 - os cidadãos com mais de 65 anos contribuíram com o equivalente a 160 biliões de libras, através do emprego, dos Cuidados Informais e do voluntariado. Dito de outra forma - muitos de nós trabalham! No sentido habitual do termo e noutros, que libertam o Estado de responsabilidades que lhe cabem. (Sobre o tema, recomendo "Cuidar de quem cuida", publicado em Setembro e da autoria de José Soeiro, Mafalda Araújo e Sofia Figueiredo).
O assisado pedido de um reforço da formação dos cuidadores, familiares e profissionais impõe-me dois agradecimentos. Um, ao Hospital Magalhães Lemos, que ajudou a dama de companhia de minha Mãe a lidar com um longo Alzheimer. E o outro à própria Dona Maria José, pela dedicação incomparável, por alguma razão, para lá da ciência, foi a pessoa cuja presença minha Mãe "exigiu" até ao fim. Ela, que sempre desejara uma filha.
No naufrágio da vida foi o que teve - uma filha a cuidá-la. E, por arrasto, a todos nós. Por isso a acolhemos, por unanimidade e aclamação, no seio da tribo. Que amanhã festejará mais um aniversário de minha Mãe, recordando-lhe a férrea doçura, gavinha à volta da qual a família cresceu.
*Psiquiatra
O autor escreve segundo a antiga ortografia