Não há pessoas difíceis; há é pessoas bem ou mal conversadas. A putativa base científica do argumento, chamemos-lhe assim, está em deterioração acelerada na relação entre Governo e governados de Portugal.
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A depressão resultante da crise económico-financeira está em acelerado estado de acasalamento com algo de (ainda mais) preocupante: agudiza-se a acrimónia dos cidadãos entre si e para com o Poder em exercício.
Até um cego o sente, apesar de não ver: o isolacionismo a que está a ser sujeito o Governo ao fim de pouco mais de um ano de mandato, não contando com o apoio explícito de qualquer alvéolo da sociedade, é paradigmático: há mesmo uma efetiva carência de convencimento dos portugueses para políticas difíceis.
Muitos, num esforço tão hipócrita quanto simpático, fazem de conta e adotam uma adjetivação eufemística: a erros de governação chamam-lhe défice de comunicação. Como se não ser capaz de convencer não fosse uma pecha de quem detém o Poder.
Após terem estado serenados durante uns meses, na expectativa de que saíssem bons coelhos da lura estratégica para Portugal arrepiar caminho e entrar nos eixos, múltiplos grupos de pressão foram percebendo continuar a dispor de campo aberto para juntar os seus interesses à manifesta perda de qualidade de vida de milhares de cidadãos. Afinal, o Governo não foi capaz de deixar de se enredar em casos perfeitamente dispensáveis - nomeações mal explicadas, discutível comportamento ético, teimosia porque sim, incapacidade para dobrar a espinha aos interesses instalados de sempre.
Um caldo destes só podia, como está a acontecer, resultar na perda de confiança e na falta de apoios ao Governo. Um cidadão é convencido se a uma boa conversa se seguir uma prática implacável de comprometimento.
Não há como o esconder: a situação difícil por que passa o País precisa de uma linha de rumo apesar de tudo não marcada a régua e esquadro. E o Governo enredou-se também num conjunto de (não) decisões que o acabam por pôr a jeito. Tornando-o, mais cedo do que tarde, o primeiro arauto da constituição de comissões destinadas a proceder a estudos cujo fito mais parece ser o de fazer retardar reformas estruturais indispensáveis.
Parece contraditório, mas não: cada capitulação nas decisões planeadas indicia apenas duas hipóteses, qual delas a pior. Ou é consequência de mau planeamento ou, então, de recuo perante lóbis renascidos.
Um quadro assim não augura nada de bom. Nem para o Governo nem para o Portugal de futuro. Antes que seja demasiado tarde é tempo de o primeiro-ministro se afastar da imagem que lhe estão a colar: a de que dispõe de autonomia política manejada por terceiros, quer no Governo quer no partido.