Nos Estados Unidos da América, o dia 2 de Agosto poderia ter sido a 2ª "terça-feira negra" dos últimos 100 anos. Não foi. Ao cabo de muitas semanas de dramáticas negociações minuciosamente narradas pelos media, a Câmara dos Representantes, seguida algumas horas mais tarde pelo Senado, aprovou o acordo, no ultimo instante, para subir o limite máximo de endividamento do país mais poderoso do mundo. A reação foi decepcionante... indiferente ao resultado "épico" alcançado.
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Apesar do sucesso, os mercados bolsistas fecharam nesse dia a perder mais de 2%. Entre republicanos e democratas ninguém apareceu entusiasmado a reivindicar a "vitória", e as perspectivas económicas de uns e de outros partilham o mesmo pessimismo, embora por razões opostas. À direita, porque a prometida redução da despesa pública teria sido insuficiente. À esquerda, porque o corte da despesa não foi compensado pelo crescimento da receita - até os benefícios fiscais dos mais ricos, concedidos outrora por George Bush, foram prorrogados até 2013 - impedindo o Estado de combater a depressão económica, tal como fez na crise de 1929.
Paul Krugman, no New York Times de segunda-feira, classifica o acordo como "uma abjecta rendição do Presidente" e, denunciando a "chantagem" dos extremistas da direita Republicana, interroga-se, pessimista: "como pode a democracia americana funcionar", se quem acaba por determinar as políticas são precisamente os que se mostram mais rudes e que não hesitam em "ameaçar a segurança económica da nação"? Efetivamente, o Presidente Obama excluiu à partida a possibilidade de recorrer a alternativas constitucionais que lhe teriam permitido ultrapassar a falta de acordo no Congresso para aprovar a autorização, invocando circunstâncias excepcionais. Seria uma opção de alto risco que colocaria sobre os seus ombros todo o peso de um complexo esquema de governação que a Constituição americana concebeu delicadamente repartida e calibrada segundo a teoria dos "checks and balances" (princípio da separação e interdependência dos poderes).
Falta saber de que servirão ao Presidente Obama as provas de moderação que deu na gestão desta crise e como irão responder os radicais do "tea party" aos seus esforços de concertação. Em qualquer caso, as virtudes da separação dos poderes têm de ser reconsideradas quando o abuso de fórmulas legislativas de bloqueio do poder executivo como, por exemplo, a exigência de certas maiorias qualificadas, na prática habilitam minorias agressivas a impor o seu programa radical à vontade da maioria e a colocar a segurança colectiva em perigo. Não é só a extrema direita do "tea party", no Partido Republicano que detém a maioria na Câmara dos Representantes, que tem sido bem sucedida neste "jogo" anti-democrático.
Também na Suécia, na Dinamarca, na Holanda, a extrema-direita minoritária consegue impor as suas políticas anti-imigrantes às maiorias conservadoras que carecem do seu voto para governar. Esta capitulação da democracia perante as exigências populistas de pequenos grupos que se caracterizam pelo seu sectarismo e ideologias radicais, criou uma espiral de agressividade que não para de crescer e de que os atentados terroristas na Noruega são ilustração espetacular.
Foi Barack Obama quem comparou os EUA a Portugal, para afirmar as diferenças óbvias. Mas as semelhanças existem, tanto na facilidade do diagnóstico como no irreconciliável desacordo sobre as soluções propostas. Similitudes com Portugal, mas também com a Islândia, a Grécia, a Irlanda, o Reino Unido. Também com a Espanha e a Itália, que já criam sobressalto em Bruxelas, e por fim, inevitavelmente, com a própria Alemanha. Pelo "chamado efeito de contágio", as "dívidas soberanas" colocam em risco toda a economia global.
Entretanto, o frenesim da especulação bolsista continua a somar ganhos astronómicos e em matéria de regulação financeira pouco ou nada se avançou apesar de a intervenção reguladora dos estados constituir a única esperança de algum controlo democrático sobre a arrogância hegemónica do capital financeiro mundial.