O encontro entre Pedro Passos Coelho (PPC) e Sócrates tinha como objectivo demonstrar que "há condições de governabilidade", como o primeiro-ministro afirmou no fim da reunião. Ambos procuravam, dessa forma, passar uma imagem de colaboração que estancasse as turbulências dos mercados, oferecendo um horizonte de estabilidade até às eleições presidenciais. A troco do aconchego, Sócrates comprometeu-se a estudar as medidas adicionais de redução da despesa propostas pelo PSD que antes havia desdenhado e, nos dias que se seguiram a esse gesto de boa vontade, o Governo tratou de antecipar algumas das reformas previstas no PEC, nomeadamente no reajuste do subsídio de desemprego.
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Mas, como se sabe, de boas intenções (e encenações…) está o Mundo cheio, e viu-se bem dessa verdade e de como o Governo não pretende alterar o seu rumo quando Sócrates e António Mendonça se apressaram a desenganar quem acreditava que algum dos grandes investimentos previstos iria ser suspenso. Veio a público, entretanto, que os socialistas não estão disponíveis, sequer, para negociar com o PSD a taxa do imposto das mais-valias e que o Governo vai avançar com a contratação de funcionários públicos para compensar os cerca de 20 mil que pediram a reforma nos quatro primeiros meses de 2010.
Ou seja, Sócrates pretende consensualizar com o PSD um pacto de regime que lhe permita governar em consenso com as políticas propostas pelo BE. Aliás, bastou ouvir o discurso de anúncio de candidatura de Alegre - que depois de receber o apoio efusivo do BE a troco de críticas a Sócrates já se reconverteu às virtudes deste a fim de conquistar o apoio do PS - para se poder prever que a política furtiva está para durar.
Cavaco continuará a ziguezaguear de acordo com os seus interesses enquanto candidato à Presidência, ora ouvindo antigos ministros das Finanças que lhe vêm dizer tudo aquilo que ele já sabe mas que não ousa dizer claramente aos portugueses, ora acolitando as políticas do Governo, como aconteceu quando promulgou o diploma sobre as bases de concessão do TGV.
Inspirado pelo ministro das Obras Públicas e pelo seu Clube do Cais do Sodré, Sócrates insistirá nos projectos faraónicos, entre os quais o TGV que nos ligará a uma Europa que entretanto nos terá expulsado, enquanto Teixeira dos Santos continuará a acenar com a cabeça e a concordar com essa política, talvez porque sabe que serão os mercados e a falta de liquidez a travarem essas ilusões.
Os grupos económicos que têm interesses em jogo aguardarão pacientemente, porque sabem que quanto maior forem as dificuldades do Governo em se financiar, maior será a sua capacidade para negociar parcerias público-privadas lucrativas, e para comprar empresas públicas a preço de saldo.
O que torna fácil concluir: a mudança política no PSD, e o sentido de Estado que PPC demonstrou podem ter contribuído para acalmar as águas e ter permitido uma simpática encenação, mas em nada alterarão o rumo da governação. Perante tudo isto, PPC terá de decidir se vale a pena dar o benefício da dúvida a Sócrates ou se deve recusar-se a participar no que parece ser uma montagem; se deve esperar que Cavaco se recorde que tem um mandato a cumprir, ou se terá de ser o PSD a assumir uma posição mais dura, mesmo que esta desagrade a Belém. Infelizmente, o maior problema de Portugal não é a governabilidade: é a má governação, que faz ouvidos de mercador aos avisos e ameaças que nos chegam de todo o lado e insiste em ir em frente de forma desavisada e autista indiferente ao destino do país.