Os pilotos da tap exigem receber 20% do produto da privatização, contrapartida garantida pelos "boys" que então administravam a empresa,com o patrocínio do engenheiro Cravinho
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No tempo que se vive, a greve dos pilotos da TAP, tardiamente desconvocada, causou prejuízos injustificáveis a muitos dos seus passageiros e às contas da empresa. A companhia aérea é uma das poucas empresas públicas que os portugueses valorizam, apesar de ter acumulado, ao longo dos anos, muitos prejuízos que têm sido pagos pelos nossos impostos. Para isso contribuíram erros de gestão do passado, numa altura em que a empresa era administrada por políticos e por "boys", e as exigências muitas vezes desproporcionadas dos seus trabalhadores. A verdade é que, apesar disso, os portugueses olham para a TAP como a sua companhia de bandeira, uma empresa que presta um serviço público de relevo sobretudo às nossas comunidades emigrantes e que é reconhecida pela sua segurança, que muito deve à qualidade da manutenção e, também, à excelência dos seus pilotos e às condições de trabalho que lhes são oferecidas. Por outro lado, os gestores que agora administram a empresa são pessoas competentes, com um currículo impecável, com experiência acumulada, e que têm procurado, com consensos internos, transformar a TAP numa companhia aérea moderna e mais virada para o mercado.
Num tempo em que muitas das suas congéneres soçobraram mercê da liberalização do tráfego aéreo e pelas crises que se foram sucedendo, a TAP tem conseguido sobreviver. Não fora a dificuldade de conseguir financiamentos, o que decorre de razões estruturais da nossa economia, e a TAP teria hoje uma maior dimensão que, provavelmente, garantiria a sua auto-suficiência. O que justifica que o Estado português venha a estudar a sua privatização, procurando um novo accionista capaz de fazer esses investimentos e que seja também importante do ponto de vista estratégico, no sentido de garantir que a dimensão da empresa não é sacrificada.
É claro que os pilotos têm direito a fazer greve, tal como qualquer outro trabalhador da empresa. Tanto mais que o pessoal de cabina, por exemplo, e que não tem a excelência dos seus colegas pilotos, é useiro e vezeiro em fazer greves, ou em obter cedências exorbitantes a troco de não as fazer.
No caso dos pilotos, o que parece extraordinário é a sua exigência de receberem 20% do produto da privatização da empresa. Se é verdade que há estudos que apontam para um valor de mil milhões de euros, isto quer dizer que os pilotos reclamam para si 200 milhões de euros. Dá vontade de perguntar se estes senhores não merecem, se um dia conseguirem controlar 20% da empresa, que os outros trabalhadores resolvam causar paralisações desta natureza. Mas, a verdade é que essa exigência corresponde a uma contrapartida que lhes foi garantida pelos "boys" que então administravam a empresa, com o patrocínio do engenheiro Cravinho, essa luminária da governação socialista, a troco do congelamento dos seus salários desde então.
O problema é que o Estado está exangue. O tempo das vacas gordas acabou. Há muita gente que vive com grandes dificuldades, que vê o seu emprego em risco, ou que já o perdeu e aguarda, agora, o fim do subsídio de desemprego. Compreendo que isso pouco interesse aos pilotos da TAP, que se sentem no direito legítimo de ver cumprida uma promessa que lhes foi feita, e entendem que essa questão se sobrepõe a qualquer consideração de ordem solidária.
É um direito que lhes assiste, porque correspondeu a uma contrapartida que negociaram, num tempo diferente, é certo. E, para mim, os pilotos da TAP não têm menos direitos do que os revisores da CP, ou os funcionários da Transtejo.
Tudo isto só é possível, ainda assim, porque não acreditam que a sua empresa possa, um dia, ir à falência. Tudo isto só é possível porque acreditam que o Estado dispensará sempre uma parte dos nossos impostos para acorrer a qualquer emergência na empresa que os emprega, se isso for preciso. Tem sido sempre assim, com os trabalhadores do sector público. Deve ser a isso que se refere o senhor presidente da República quando nos fala de equidade nos sacrifícios...