Imagine que acabaram de lhe comprar um carro. Entretanto, arrepende-se do negócio e quer recuperá-lo. Senta-se à mesa para negociar e declara com todas as letras que o carro há de ser seu. Ponto final.
A declaração de força acaba por fechar qualquer margem negocial com o novo dono da viatura, que, face à importância dada ao negócio, pode limitar-se a assistir ao jogo político. Olhando à distância, parece ser esse o sinal dado pelo primeiro-ministro, na forma categórica como ontem assegurou que a maioria da TAP voltará para o Estado, mesmo que não haja acordo com o consórcio comprador. A não ser que António Costa tenha nas mãos algum trunfo que se prepara para jogar na hora certa.
É questionável, do ponto de vista político e ético, que o anterior Governo tenha concretizado a venda da empresa quando estava já em gestão, após a rejeição do programa na Assembleia da República. Mas legalmente o conceito de interesse público associado às decisões tomadas por governos em gestão pode ser torcido.
Passos Coelho passou a mensagem de que a TAP estava de tal modo com a corda ao pescoço, que até o pagamento dos salários e de combustível ficava posto em causa. Conseguirá o sucessor desmontar essa tese e invocar argumentos jurídicos para travar o negócio?
Sem essa jogada, parece difícil uma reversão do processo que não venha a ter custos pesados para o Estado. Os novos donos da TAP disseram, com todas as letras, não querer uma posição minoritária. E mesmo argumentando, como tem feito o ministro Pedro Duarte, que o projeto e a visão para a transportadora são para manter, fica estreita a margem para uma parceria em que o Estado seja dominante, sem que isso implique uma compensação pelos investimentos entretanto em curso. Que são muitos: desde a aquisição de 53 novos aviões, passando pela injeção de 180 milhões para capitalizar a empresa.
É manifesto o interesse público do dossiê e percebe-se que o Governo faça uma gestão de informação calculista de forma a não mostrar o jogo todo ao "adversário". Mas o mesmo interesse público justifica que António Costa explique, para além das frases convictas sobre o que inscreveu no seu programa, qual a estratégia para levar a bom porto a devolução do capital maioritário da TAP ao Estado. E, claro, que missão quer para a empresa e o que vai fazer para chegar lá. Porque foram as políticas desastrosas de anos de desgoverno que a deixaram onde ela está.
*DIRETOR-EXECUTIVO
