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Aos poucos, os cafés, os restaurantes e os hotéis do Porto começaram a ganhar sotaque. Aquilo que já havia sucedido em Lisboa com o aumento do turismo replica-se no Porto, perante idêntico crescimento: os emigrantes brasileiros ocupam os lugares que muitos portugueses rejeitam.
É a lógica da emigração não qualificada, como muitos portugueses aprenderam nos anos sessenta do século passado, como operários na construção civil ou empregadas de limpeza em França. Em relação a outros emigrantes que, em Portugal, vão para as obras ou para agricultura, os brasileiros têm uma vantagem competitiva: a língua portuguesa.
Este barómetro que são os brasileiros mostra também uma realidade que o sucesso económico que é o turismo, e a revitalização da vida urbana que trouxe a alguns polos urbanos, tem ocultado. Que esta indústria é sustentada por empregos mal remunerados, com muitas horas de trabalho, horários incertos e contratos temporários de curta duração. Nem todos são assim, mas a generalidade dos postos de trabalho que exigem menor qualificação é. E bem podem os empresários negar que muitos de nós, através de família e amigos, bem sabemos a dura realidade que é trabalhar para a hotelaria, um setor onde as empresas de trabalho temporário se transformaram na melhor fuga para evitar a necessidade de integrar trabalhadores em situações laborais mais estáveis.
Infelizmente, o que se passa no turismo está em linha com o que é relatado por um trabalho do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, noticiado em julho pelo JN, onde se mostra que a maioria do emprego criado em Portugal desde 2013 é menos estável e mais mal remunerado. O modelo empresarial assente em baixos salários e mão de obra pouco qualificada, que julgávamos ultrapassado em setores como o têxtil e o calçado, regressa com o sucesso do turismo.
Ficará como uma demonstração das suas limitações, que um Governo de esquerda, apoiado por forças ainda mais à esquerda, não tenha estes trabalhadores, esquecidos por todos, no centro da sua agenda. À beira da elaboração de mais um Orçamento, continua a ser do setor público que falamos, e se estamos habituados a que o PCP acompanhe os sindicatos onde tem forte influência, não se entende que o BE, o partido dos "precários", tenha afunilado o seu discurso nos "precários da Função Pública". Pelos vistos ainda não conseguimos passar das "reversões" para as "evoluções". É curto.
* SUBDIRETOR