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Antes de prosseguir, olhe para o relógio. Vamos imaginar que são dez da manhã. Fique sabendo que, às 10.12 horas, morrerá mais uma pessoa em Gaza. Às 10.24 horas, outra. Um caixão a cada 12 minutos. A dimensão da tragédia humanitária imposta por Israel assoma, agora, na forma de um demónio violento que mata crianças à fome. Sobram pele e ossos na estratégia de terraplenagem de um povo. As Nações Unidas estimam que mais de mil palestinianos tenham morrido recentemente ao tentar encontrar comida. De resto, julho está a ser um dos meses mais tenebrosos no quadro estatístico deste genocídio medieval que o Mundo vai normalizando. O Ocidente engole em seco, refém do espartilho de uma diplomacia de papel.
Ali, naquela faixa de terreno amaldiçoado onde vivem mais de dois milhões de pessoas, a fome atingiu proporções inauditas. Mohammed Aliwa tem sete meses e pesa quatro quilos. A mãe, desnutrida, não consegue amamentá-lo. Tal como Sabreen, progenitora incapaz de sustentar os dez filhos que foi encontrada desmaiada na fila dos alimentos que não há.
Em Gaza, há escolhas impossíveis a serem feitas todos os dias por famílias esquálidas, perante a impotência da comunidade internacional e a ineficácia da retórica política. Como as palavras são vãs, restam-nos as ações concertadas, que podem traduzir-se em embargos ao fornecimento de armas a Telavive e restrições nas trocas comerciais, em particular com a Europa, o maior parceiro de Israel. Reconhecer o Estado palestiniano não resolve rigorosamente nada, até porque, se nada for feito, será um estado habitado por cadáveres. Mas, mais uma vez, não há unanimidade. A inação será cobrada aos cúmplices nos livros de História.