O ministro das Finanças grego anda a fazer uma volta à Europa, sem se saber ainda ao certo se vai conseguir ganhar alguma etapa. Continua em cima da mesa saber-se se a Grécia vai "ganhar" ou vai "perder". Quem porventura sonhou com novas Grândolas que lançassem o povo nas ruas, depressa ficou desenganado. Estamos na Europa, senhores, e aqui somos civilizados; mesmo que haja sangue, será com um fundo aveludado. Naturalmente, a cada minuto que passa, a "força" grega vai esmorecendo porque, nesta lide, à outra parte basta não fazer nada.
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O erro de análise consistiu em pressupor que, no caso Grécia c. Mundo, iria assistir-se a uma aplicação espetacular do "ou vai, ou racha". A vida não está para espetáculos e, sobretudo nesta União Europeia, ninguém quer grandes perdedores nem, principalmente, grandes vencedores (que horror!). Ou seja, talvez a Grécia, acabada a volta à Europa do seu ministro das Finanças galã, consiga um reescalonamento da dívida, aliás impagável em vários sentidos. Isso será, evidentemente, um ganho significativo, mas ninguém verdadeiramente se aperceberá de tal. Oficialmente, nem um euro será perdoado, e todos os estados europeus continuarão a portar-se bem e a ser cumpridores. E tudo continuará a correr malzito, graças a Deus.
A história dos estados cumpridores ou incumpridores, responsáveis ou irresponsáveis, bem comportados ou mal comportados, tem muito que se lhe diga. Primeiro, porque, como aliás a Grécia não se tem cansado de lembrar, às vezes aqueles que hoje dão lições foram ontem os relapsos a quem foi preciso perdoar o que não conseguiam pagar.
Depois, é verdade que, para que uma sociedade funcione, importa que um conjunto mínimo de regras seja consensualizado, esperando-se que a maioria cumpra. Na sociedade internacional, as coisas passam-se mais ou menos da mesma forma. Mas os estados não são maus nem deixam de ser maus, nem são mansos ou agressivos, e muitas vezes os confundimos com pessoas. Olha a Alemanha, que simpática! Mas a Grécia, essa ordinária, já viu o que eles têm feito? A Inglaterra, essa, já teve melhores dias...Coitada, anda fraca, aquilo lá em casa é uma confusão! E Portugal, já viu como se porta bem? É mesmo fófi!
A quem conduz a vida de um Estado, exige-se que seja limpo, probo e competente. Mas exige-se-lhe, essencialmente, que represente e defenda o melhor que consiga os interesses da comunidade a que preside. Ora, se isso quiser dizer fazer de mau ou rufia, ameaçar, insultar, fazer bluff, tentar evitar a todo o custo o que sabe ser mau para o seu país...então é isso que deve fazer.
Não se trata, como é claro, de fazer a apologia do incumprimento generalizado de compromissos ou do realismo mais desenfreado, em que vale tudo e até tirar olhos. No entanto, ignorar-se que muitas vezes são relações de poder concretas que determinam que uma coisa seja qualificada como um bem ou como um mal, é ignorar que os estados estão na Terra e a ainda não chegaram aos Céus.
E atualmente, é esse o jogo que se joga. Seja com os gregos, os antigregos, os mercados, os bem ou os mal-pensantes. Não creio, de facto, que a questão resida num dilema esquerda-direita, a não ser na medida em que aqueles que têm emprestado e estão agora em posição de força têm tido, por regra, governos de direita. Mas seria uma extrapolação grosseira (que, aliás, tem sido tentada amiúde) associar a quadrantes ideológicos as virtudes do cumprimento consciencioso ou, ao contrário, da pulsão para a vigarice. Permito-me recordar que se imputa a de Gaulle, como se sabe um conhecido esquerdista, uma frase que hoje irritaria muitos e muitas dos que se dedicam às questões do género: "Os tratados são como as rosas e a beleza das mulheres, duram o que duram", disse o velho general. Disse, e praticou convictamente, é bom que se note.
Nessa medida, e por isso o jogo grego nos interessa, o problema não é se a Grécia paga, ou até se a Grécia pode pagar aquele Evereste de euros da sua dívida pública. É se a Grécia consegue pagar menos sem sofrer consequências negativas maiores do que o benefício. O problema é que, nestas coisas do dinheiro, os estados mandam pouco ou quase nada. A Grécia pode estar a negociar com estados e com a União Europeia, e nenhum manda: todos estão mandados pelos mercados. Ora, nunca vi ninguém negociar com eles porque, a bem dizer, nunca ninguém os viu. Por isso, o jogo é difícil.