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Há dias, entrei numa grande loja chinesa das Caldas da Rainha para tentar fazer uma pequena compra. Ao balcão, uma cliente dizia ao jovem que estava a atendê-la: «Vocês têm que aprender a trabalhar!» E repetia: «Vejam como se faz em Portugal e aprendam!» Não sei a que propósito falava, mas a atitude marcou--me.
Saí da loja, sentei-me para tomar um café e ler o jornal e deparei com a notícia do dia: o ministro das Finanças de Portugal estava na China a pedir aos chineses que comprassem dívida pública portuguesa e nos ajudassem neste momento muito difícil da nossa economia. No seguimento dos pedidos do primeiro-ministro, o ministro das Finanças avançou de mão estendida para comover chineses e garantir a nossa fiabilidade.
Tive vontade de regressar à loja e mostrar a notícia à senhora e explicar-lhe que talvez sejamos nós, portugueses, a ter de aprender a trabalhar com os chineses.
Voltei à leitura do jornal, ao café e croissant (os melhores do país) da Pastelaria Machado, e nas folhas seguintes encontrei discursos empolgados e violentos dos candidatos presidenciais de Esquerda (estávamos em plena campanha), bem como dos dirigentes sindicais da CGTP, todos contra o capital especulativo, que diziam sem rosto e sem nome. Asseguravam que esses fundos apenas revelavam uma ânsia desmedida de lucro e de nos comer a pele e os ossos. Brandiam contra os mercados, as agências de rating, a especulação do capital mundial que nos subiam (continuam a subir os juros) todos os dias e nos levam para cima dos 7 (não céus) juros.
Mas afinal os «fundos especuladores», as verdadeiras sanguessugas, imperialistas de nome, capitalistas como modo de vida, a que devíamos corajosamente fazer frente, têm o rosto dos filhos de Mao.
Tentava-se que a China, que já comprou cerca de 5 mil milhões de euros de dívida pública grega, fizesse o mesmo a Portugal. Efectivamente, a China comprou cerca de mil milhões de euros em Janeiro e anunciou a intenção de vir a comprar um valor idêntico ao grego. Também anunciou a vontade de comprar dívida espanhola (6 mil milhões de euros), e em Dublin já estão, como se sabe. Calcula--se que detenham já mais de 7 % da dívida pública europeia.
A China cresce 10 % ao ano e tem a intenção pública de continuar a crescer, já não à custa das exportações para o mundo ocidental da quinquilharia das lojas dos 300, mas competindo com a mais moderna tecnologia, através das empresas ocidentais que compram, ou onde entram (Volvo, IBM, Dior, na banca, etc.), ou através da instalação dessas empresas na China, através de parceria.
Usando mão-de-obra barata, trabalhadores sem direitos sociais, numa China sem liberdade e direitos cívicos ou sindicais, vivendo uma ditadura comunista de partido único, os camaradas chineses aproveitam para crescer face a um Ocidente e, particularmente, a uma Europa endividada e envelhecida.
É por isso que não se pode deixar de sentir uma nesga de esperança, quando a Alemanha e a França anunciam na reunião europeia deste fim-de-semana uma cimeira extraordinária para encarar soluções conjuntas para sair da crise. Desenha-se, assim, parece, uma estratégia europeia para fazer frente à crise, dando alguns passos seguros.
São duras as soluções face à expectativa de vida dominante na Europa e não são, como ouvi nalguma Comunicação Social portuguesa, coisas de passagem para a chanceler alemã ganhar as eleições no seu país.
Mas são certamente medidas menos duras do que ter como alternativa os primeiros-ministros e os ministros das Finanças dos países mais endividados da Europa rumarem a Pequim e pedirem de mão estendida aos camaradas chineses que comprem dívida a taxas de juro insuportáveis de 6 a 8 %.
Ponha-se os olhos no caminho dos gregos: venderam e estão a vender meia Grécia, a começar pelo velho Porto do Pireu, e a deixar chineses investir, empregando emigrantes com salários miseráveis e sem direito à greve e a contrato de trabalho. Resta--nos nesse caso e, mais uma vez como estão a fazer os gregos, pôr rapidamente os filhos a aprender não Inglês, mas a língua dos filhos de Mao: Mandarim.