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O uso livre da palavra é um dos valores máximos de uma sociedade democrática. A era mediática veio potenciar de modo ilimitado esse uso. Todavia, falamos sempre mais sobre a garantia constitucional desse direito do que sobre aos efeitos da utilização da palavra. O uso livre da palavra não pode concorrer para tornar esse «bem» inoperacional. Inconsequente. Produtor de vacuidade. Com o efeito perverso de provocar o amorfismo desconfiado e descrente dos cidadãos.
Na actual sociedade portuguesa, o uso da palavra, do discurso e contra-discurso, atinge um paroxismo doentio com o perigo de reduzir o seu efeito à taxa zero. No actual momento em que o nível de descrença na acção acusa índices elevadíssimos é indispensável «proteger» o efeito da palavra, do discurso. Não se trata de «suspender a democracia». Trata-se de não fazer falir o efeito da palavra
No passado fim-de-semana, o líder do PSD fez um discurso com a preconcepção de reacender o fogo partidário nos seus sequazes, aludindo à eventual ameaça de fazer cair o Governo. Ainda mal ecoavam as palavras nocturnas vindas do Pontão já diferentes vozes públicas faziam o contra-discurso dos males da instabilidade.
Acrescentam-se ou retiram-se a essa «praga social» do des(emprego) umas milésimas, logo vem uma fonte oficial falar da estabilização conseguida, contribuindo apenas para um turbilhão de palavras que nada estabilizam, muito menos a realidade da situação e o estado desesperante das suas principais vítimas. As palavras queimadas a propósito da tragédia dos fogos, em explicações e contra-explicações, (aliás um discurso há muito reduzido a cinzas), só fazem labaredas para temer «o porquê» de sermos a área mais ardida da EU. O comandante Gil Martins, da Protecção Civil, afirma que 97 % dos fogos têm origem criminosa. A PJ contraria tal afirmação. As palavras e contra-palavras que se seguiram ao despacho do processo «Freeport» da parte dos inquiridores responsáveis e dos eventuais visados lançaram novas ondas de descrédito sobre o caso e sobre a Justiça. As palavras e contra-palavras ditas a propósito do «caso Queiroz» formam uma cortina de fumo para muitos se esconderem.
Os conflitos comunicacionais são próprios do viver em liberdade democrática. Mas, como dizia Alberto Abruzzese, usar as palavras para produzir círculos viciosos só faz atrair «a maldição das palavras» .