O Big Ben, um dos míticos restaurantes da cidade do Porto, fechou. Era ali que jantava, tantas vezes a desoras, sempre que me cabia fechar a edição do jornal. Chegasse às 21 horas, às 22 ou até mais tarde, encontrava sempre um sorriso na cara do cozinheiro Fausto e do patrão João. Não é fácil encontrar gente assim: disponível, séria e sincera. Esta é a parte emocional do caso. Mas há outra: a parte comercial do caso. Aquela que, a cada dia que passa, multiplica por um número cada vez maior o encerramento de estabelecimentos de restauração.
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O microcosmos em torno do edifício do JN é um bom laboratório desta tese: quem resiste à pancada dos 23% de IVA aplicada sem piedade pelo Governo ou é herói ou anda lá perto. Aos poucos os restaurantes e cafetarias que durante anos serviram esta zona do Porto estão a desaparecer. Razão óbvia: retração no consumo. Exemplo claro: de entre as mais de duas centenas de pessoas que trabalham neste edifício, são em número crescente os que chegam com a marmita na mão e os que utilizam os micro-ondas para aquecer os restos que trazem de casa. É assim aqui como é assim num número cada vez maior de empresas.
A associação do setor (AHRESP) estima que, nos próximos anos, desapareçam cerca de 50 mil restaurantes, o que provocará a destruição de 100 mil empregos. Tenho sempre a impressão de que os números apresentados pecam por excesso, por serem uma maneira de acentuar a catástrofe aguardada e assim pressionar os decisores. A verdade é que, por onde passo (e por dever de ofício passo por muitos restaurantes), não é queixume e lamento que encontro: é tristeza e amargura, é pânico nos olhos dos proprietários.
O título da crónica roubei-o ao estimável Manuel Moura, proprietário do restaurante Líder, uma incontornável referência na gastronomia portuense. Disse-mo há dias. Achei-o um feliz resumo do que outros donos de outros espaços me haviam referido desde que a pancada lhes começou a fustigar as costas e as contas. Há muita gente à beira do precipício - e haverá mais, se a queda no consumo se mantiver.
É por isso que devemos chamar heróis aos que resistem. Não apenas porque mantêm os seus espaços abertos graças a uma gestão competente aliada à manutenção da qualidade do serviço, mas também (talvez sobretudo) porque continuam a manter postos de trabalho. Ora, nos tempos que correm, manter um posto de trabalho é um bem escasso, logo caro. São esses postos de trabalho que sustentam milhares de famílias (97% do setor é composto por micro e pequenas empresas).
Infelizmente, as famílias daqueles que trabalhavam no Big Ben sabem muito bem quanto custa enfrentar os dias carregando o peso da incerteza e da tristeza. E o pior é que, ao contrário do que apregoam os otimistas de serviço, não há motivos para acreditar que o pesadelo acaba daqui a pouco.