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O presidente da República resolveu cancelar a visita a uma escola, provavelmente depois de ter sido informado de que iria ter uma "espera" por parte dos alunos. Conhecendo a escola em causa, não admira que tenha tomado essa decisão. Admira, isso sim, que tenha aceitado um convite com cheiro a cilada.
Cavaco Silva terá sido aconselhado a cancelar a visita por não haver dúvida de que os meninos, industriados em casa, tentariam portar--se mal para, depois, poderem fazer--se de vítimas inocentes. É esse o estratagema habitual, e a última coisa que interessa, neste momento, é dar ânimo a essa estratégia de confrontação que delicia os nossos média e abastece os blogues. Discordo, por isso, daqueles que sugerem que o presidente teve medo de alguns miúdos, e que terá sido por isso que a sua caravana retrocedeu quando já estava bem próxima da escola.
Na ausência de uma explicação plausível, ou de uma justificação credível, imagina-se que a decisão terá sido do próprio Cavaco Silva. Porventura, aquilo que ele quis evitar foi um cenário previamente encenado que, na ótica dos seus assessores, não seria do interesse público, por muito que viesse a vender jornais. Creio, no entanto, que não deveria ter invocado interesses de Estado abstratos ou compromissos desconhecidos. Deveria ter, prudentemente, alertado, logo à chegada, para o facto do presidente da República não se dever sujeitar a ser uma marioneta de um teatro prefabricado, e deveria ter sido solidário com as forças policiais presentes que, seguramente, seriam provocadas e apoucadas, para mais tarde serem acusadas de terem tratado violentamente as criancinhas, se viessem a puxar uma ou outra mais atrevida pelo braço.
Mas, quer esses polícias, que sabem cumprir a sua missão, quer todos nós portugueses merecíamos mais ou coisa diferente. Merecíamos que, fazendo esse discurso, Cavaco tivesse enfrentado a manifestação, instrumentalizada por agitadores experientes e heroicos que não hesitam em utilizar crianças e adolescentes como escudos humanos. Merecíamos um presidente calmo, seguro e sorridente, que desvalorizasse os cartazes e os insultos, que não se acobardasse, que não tivesse medo de ovos podres. Um presidente que soubesse fazer reverter a seu favor a situação criada, que soubesse dar uma aula de civismo a toda aquela gente. É isso que se espera de um chefe de Estado, mesmo num país que, dito de brandos costumes, tem uma terrível história, que no século passado vem de D. Carlos a Sá Carneiro.
Será que doravante, sempre que se quiser evitar a presença do presidente da República, bastará garantir que se assenta, nas redondezas, um arraial de manifestantes? Será, pelo contrário, que o presidente tem razões para não confiar na Polícia? Não foi este mesmo presidente quem apelou para a manifestação na rua, de pais e alunos, quando a escola privada foi posta em causa? São decerto questões que ficam por responder mas que explicam o perigo do precedente que foi criado.
Marcelo avisou, há tempos, que "no atual contexto de crise, Portugal não pode ter um presidente da República enfraquecido". Tem razão, mas poderia ter acrescentado que a fragilização decorre dos erros de um presidente que vive na clausura, rodeado por um séquito de assessores acríticos e de familiares fiéis e devotos que contribuem para as suas gafes, que incendeiam as manias de perseguição e inventam escutas, que o tentam poupar à realidade que o rodeia, acolitado por um séquito de políticos, os tais cavaquistas anónimos que recentemente saíram a terreiro, que acumularam derrotas e que não se conformam com a irrelevância a que parecem condenados.
O maior problema é que vivemos numa República, em que o chefe de Estado eleito é visto pelo povo como o bom ou mau exemplo da classe política que nós temos. É por isso que, dia a dia, e à medida que os cidadãos se vão desiludindo com a política e com os seus líderes, o regime se vai afundando. E essa dissolução é, porventura, muito mais séria e duradoura do que a crise terrível que enfrentamos......