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1. Passos Coelho enviou uma carta, esta semana, ao Parlamento, em que diz não ter "cabimento" revelar os montantes recebidos a título de despesas de representação no Centro Português para a Cooperação, organização a partir da qual abriu portas aos bizarros negócios da Tecnoforma. Pretenderia colocar uma pedra sobre o assunto. Não é preciso ser particularmente sagaz para perceber que isso não vai acontecer.
Recapitulemos, de forma sintética, os vários episódios desta história: confrontado com uma denúncia de que teria recebido um salário de cinco mil euros por mês durante o período em que era deputado, o atual primeiro-ministro socorreu-se de uma conveniente falta de memória para evitar uma resposta. Uma semana depois, no Parlamento, depois de uma consulta aos seus papéis, informou a nação de que não recebera qualquer salário, apenas fora reembolsado de algumas despesas de representação, permanecendo, assim, um cidadão "remediado".
Perguntado logo ali sobre o montante das despesas em que foi reembolsado, refugiou-se de novo no silêncio. Permitiu depois a divulgação de parte da sua declaração de IRS, onde constavam o salário de deputado e as colaborações avulsas com jornais e televisões. E confrontado com novo pedido parlamentar, desta vez por escrito, para esclarecer o montante das despesas com almoços e viagens, certamente coisa pouca, recusou. Com isso garantiu que o assunto nunca deixará de o assombrar. Na pior das formas, a da desconfiança. Ora, a um primeiro-ministro, como à mulher de César, exige-se que seja honesto, mas também que pareça honesto. Isto se não quiser implodir o seu Governo.
2. Este seria sempre um dos piores arranques do ano escolar de que há memória [qualquer coisa de parecido com isto só em 2004, durante o conturbado período de Governo de Santana Lopes]. Vamos entrar na quinta semana de aulas, há milhares de alunos ainda à espera de professor; há centenas de professores que já se tinham instalado numa terra qualquer, a percorrer dezenas ou centenas de quilómetros para Norte ou para Sul, para se reinstalarem noutra terra qualquer; há professores que tinham ganho o direito a um emprego através de um concurso, que assinaram o respetivo contrato, mas que agora descobriram que o contrato não vale nada e que vão ficar no desemprego.
Mas, como se tudo isto não fosse suficientemente grave, o ministro da Educação dá-se ao luxo de protagonizar uma intervenção no Parlamento em que se enreda numa explicação mal-amanhada em tempos verbais, tentando sacudir a água que lhe encharca o capote. Nuno Crato concretiza (concretizará?) o seu sonho de implodir o Ministério da Educação. E com ele abalar as expectativas de alunos, pais e professores na escola pública. Mas, dando mostras de uma capacidade de sobrevivência improvável, mantém-se (manter-se-á?) firme entre os escombros. Não há Ministério, não há aulas, mas há ministro. E com a solidariedade reforçada do chefe do Governo. Dois homens implosivos.