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É impossível ficar insensível ao rasto de destruição provocado pelos incêndios nesta altura do verão, a grande ameaça sazonal ao país mais profundo, onde a população já paga a fatura das assimetrias regionais durante um ano inteiro e, agora, vê-se angustiada numa luta desigual contra o fogo e o medo. Há várias especulações sobre as causas dos incêndios, desde o aumento da temperatura à escala global, à falta de diversidade da nossa floresta, grosso modo povoada por pinheiros-bravos, eucaliptos e azinheiras, mas há um aspeto que parece crucial, sobretudo para quem se dá ao prazer de fazer caminhadas nos sítios mais recônditos: a maior parte da zona verde nacional escapa à vigilância das autoridades e torna-se um terreno fértil para as mãos criminosas atearem fogos, sabe-se lá com quem intenção, seja por pura maldade, por divertimento estranho e merecedor de estudo, ou até motivadas por um qualquer negócio.
Há outros fatores a ter em linha de conta, como o crescimento desordenado da paisagem, muitas vezes assente em interesses materiais, com casas a serem construídas quase no meio de pinhais, expoentes de combustão imediata quando o fogo começa a ganhar terreno e a tornar-se numa ameaça. Mas é impossível o tempo voltar para trás para se corrigir más decisões, algumas delas até tomadas nos gabinetes, de caráter discutível e materialista como muitas das opções feitas neste país, onde a segurança das populações devia estar acima de todos os interesses, mas nem sempre é levada em linha de conta.
Depois sobram lágrimas nos momentos de dor e veem-se os altos responsáveis ao lado dos bombeiros e das populações no combate às chamas, até porque fica bem ser solidário e estar ao lado dos indefesos, sobretudo quando temos eleições à porta e convém aparecer na fotografia. Mas, no essencial, pouco se faz para corrigir erros e evitar novas catástrofes, quando a centralidade desconhece as dificuldades do país mais profundo, onde impera a desertificação, a falta de meios e cuidados de saúde, onde para se ter uma consulta de especialidade é preciso percorrer muitas dezenas de quilómetros. E onde há aldeias com escolas fechadas por falta de crianças.
Em Portugal, infelizmente, nem sempre se consegue corrigir erros e evitar que as mesmas catástrofes venham a acontecer. Há medidas impopulares que deviam ser tomadas desde sempre, como terminar com os fogos de artifício nas festas de verão, sejam nas grandes cidades como nos meios rurais, porque são grandes focos de ameaça, potenciados pelo calor e pela área florestal seca, nem sempre cuidada pela população local. E, claro, ter uma mão muito mais pesada para os criminosos que incendeiam as matas, alguns motivados apenas pela maldade, outros por imperativos financeiros, por muito estranho que possa parecer. Os incêndios deviam merecer uma séria reflexão por parte das autoridades para evitar que os mesmos erros se repitam todos os anos.