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1 Foi há uma semana que caiu o Carmo e a Trindade. E qual terá sido a razão para tanto terror e assombro que, segundo o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, estão associados à expressão? O facto de termos assistido na SIC à melhor síntese jornalística e televisiva que alguma vez se fez sobre a Operação Marquês? Ter ficado claro que Ricardo Salgado era a cabeça de um polvo que corrompeu as nossas elites? Terá sido por percebermos que Zeinal Bava e Henrique Granadeiro agiram na PT em nome de interesses obscuros, com proveitos de milhões? Ou porque José Sócrates, ex-primeiro-ministro e líder do PS, beneficiou de milhões de euros transferidos à socapa, de offshore em offshore, até lhe chegarem às mãos na forma de uns envelopes com notas? Ou, finalmente, porque percebemos que estamos todos a pagar estes desvarios, seja com os nossos impostos, seja com a falência dos serviços do Estado? Nada disso. O terror e o assombro têm outra explicação. O que choca tanta gente inteligente que opina nos jornais e nas televisões, o que horroriza tanta gente sensata nas redes sociais, é a exibição dos vídeos dos interrogatórios a José Sócrates. Estão no seu direito. Mas fico à espera que chegue o dia em que passem da indignação pela violação do direito à imagem da quadrilha, para a indignação pelos crimes cometidos pela quadrilha. E escusam de argumentar com presunções de inocência e trânsitos em julgado. Isso é para os juízes. O julgamento político e social corre mais depressa. Caso contrário, Sócrates ainda podia ser primeiro-ministro e Salgado presidente do BES. Mas, se calhar, a alguns isso talvez não causasse nem terror, nem assombro.
2 Já a discussão sobre os vídeos ia longa, quando vieram a lume mais uns pormenores sobre a rede mafiosa que usou os portugueses como carne para canhão. O ex-ministro da Economia Manuel Pinho criou uma conta numa offshore do Panamá na qual caiu um milhão de euros saído do "saco azul" do BES. Meio milhão foi pago em tranches mensais de 14 963,94 euros durante o período em que Pinho foi ministro no Governo de José Sócrates. Parece mesmo um salário, não parece? Suspeita-se que possa ter sido a compensação para beneficiar empresas como a EDP nas chamadas "rendas excessivas". Infelizmente, ninguém denunciou esta violação do segredo de justiça, daquelas que propiciam julgamentos populares precipitados. E que deu argumentos a um triste espetáculo de Ana Gomes. Diz a eurodeputada socialista que o PS terá de aproveitar o próximo congresso para escalpelizar como se "prestou a ser instrumento de corruptos e criminosos". Que coisa tão disparatada. Porque não se preocupa antes Ana Gomes com o ataque à imagem de José Sócrates, Ricardo Salgado, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro ou Manuel Pinho? Isso, sim, justifica a nossa indignação.
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