Não foi há muito que aqui escrevi que não é fácil a um português perceber o que se passa na política francesa. Na verdade, foi há dois meses e a propósito da primeira volta das eleições presidenciais. Nessa altura, para destacar que os vários candidatos "radicais" (de Esquerda e de Direita) somaram 60% dos votos. E que os candidatos dos partidos "tradicionais" do centro-esquerda e do centro-direita (os equivalentes aos nossos PS e PSD) tinham sido enxovalhados, com 6%. Assim dito, quase parecia que vinha aí o fim do Mundo. Ou, pelo menos, que ia ser preciso reescrever os manuais de ciência política.
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Mas depois chegou a segunda volta das presidenciais, com Macron e o "centrão" a ganharem por larga margem. E, finalmente, as duas voltas das eleições legislativas, que, ao contrário do que por aí às vezes se diz e escreve, talvez não tenham sido assim tão violentas para o statu quo. Sobretudo quando se compara com outros países europeus do Centro e do Norte da Europa. Se dermos menos atenção à fragmentação partidária e nos concentrarmos nos blocos políticos, percebemos que os deputados do bloco centrista de Macron valem 42%. E que, somados os parlamentares que vão do centro-esquerda (incluindo socialistas e verdes) ao centro-direita, são 64% do novo Parlamento. É menos do que por aqui, mas a verdade é que, nesta matéria, é Portugal que está entre as exceções europeias (PS e PSD monopolizam 85% dos deputados).
Não quer isto dizer que tenha ficado tudo exatamente na mesma. Macron deixou de ser o "rei sol" e será obrigado a negociar (ou a forçar eleições antecipadas). A extrema-direita ultrapassou a dupla barreira dos círculos uninominais e do "cordão sanitário" imposto pelos restantes partidos, passando de oito para 89 deputados (15% do Parlamento). A Esquerda passou a ser liderada pela França Insubmissa, uma espécie de Bloco de Esquerda do hexágono (12% dos deputados). E os dois partidos que dominaram a quinta República (socialistas e republicanos) valem uns escassos 15% da Assembleia Nacional. Não, não é fácil perceber a vida política dos irredutíveis gauleses.
*Diretor-adjunto