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Nos debates das legislativas, os jornalistas são seletivos e tendem a formatar as perguntas que fazem pelo diapasão dos clichês, pelo viés instituído, repetindo “ad nauseum” os temas que cada partido traz agarrado à roupa, pelos casos da vez, pelas polémicas mais embaraçosas e pelas bandeiras mais berrantes, alimentando assim o ciclo vicioso dos sound bytes.
Os jornalistas só perguntam sobre política externa quando querem encostar o PCP às cordas a propósito da Ucrânia. Só perguntam pela NATO e por política de defesa quando querem pôr o foco nas divergências entre o Bloco de Esquerda e o PS (pela possibilidade de coligação). De resto, zero questões sobre o Mundo, como se o país existisse no vácuo, desgarrado da Europa, imune a dinâmicas geopolíticas e a crises internacionais.
Os jornalistas só perguntam pela viabilidade de uma medida quando se fala em impedimento da venda de imóveis a não residentes, pelos condicionamentos das diretrizes europeias. Nada perguntam quando o Chega promete unicórnios e todo um chorrilho de outras fantasiosas impossibilidades e a Iniciativa Liberal acena com sol na eira (diminuindo largamente os impostos) e chuva no nabal (garantindo a qualidade dos serviços públicos da Suécia).
Já para não falar do loop de perguntas sobre a configuração das eventuais coligações pós-eleitorais, que faz lembrar as crianças que perguntam se falta muito para o destino nas viagens de carro e passado meio minuto indagam: e agora?
Os jornalistas, que têm o triplo do tempo de antena dos candidatos (!), queixam-se que estes não falam de coisas fundamentais, peroram sobre os assuntos ausentes, sobre a falta de profundidade das explicações, lamentando que não haja rasgo e que se rebatam mais as propostas alheias do que se exponham as próprias.
Os jornalistas pontuam e avaliam como jurados de um concurso de danças de salão. Mas é engraçado constatar que, muitas vezes, avaliam como vitorioso o dançarino despreparado, que pisa todos os pares, que dança fora do compasso e pontapeia os adversários quando a música não o favorece, tomando-o como o centro da coreografia política, apontando as luzes para a sua ridícula prestação e aplaudindo a sua capacidade de impactar a plateia. Os mesmos jornalistas que fazem equivaler os “polos”, comparando Mariana Mortágua (sempre serena, muitíssimo preparada e munida com números rigorosos) com o candidato da extrema-direita (que interrompe permanentemente o oponente, não apresenta dados, faz propostas irrealistas e é o campeão das mentiras em debates).
Espero que na noite eleitoral, perante os resultados, os mesmos jornalistas/jurados, na ressaca desta embriaguez coletiva com seu poder de influência, se deitem na almofada de consciência tranquila, antes de acordar para o day after de sobrolho franzido, para dissertar com preocupação sobre a crise da democracia.