Poderá uma sociedade democrática ser um espaço plano, neutro, onde é legítimo dizer ou fazer tudo em nome da liberdade individual?
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No sábado, em Sófia, Bulgária, cerca de duas mil pessoas desfilaram ostentando suásticas e símbolos dos SS nazis. Não estão sós: na última década o extremismo ideológico proliferou na Europa, transformando situações supostamente ocasionais de pequenos grupos numa rede política de cumplicidades e sustentação mútua (patentes nas propostas de Salvini de uma rede de partidos nacionalistas - "uma primavera europeia").
Alguns desses grupos ativos não encontraram penetração no sistema político; outros, refrescada a roupagem, adquiriram presença parlamentar (Frente Nacional francesa, Alternativa para a Alemanha, Aurora Dourada grega, Jobbik húngaro, Vox espanhol; outros, ainda, integrando governos (Liga Norte italiana, Partido do Povo Dinamarquês, Akel, cipriota).
Sob o totalitarismo extremista de Direita e de Esquerda, os discursos de ódio proliferam atacando os fundamentos do Estado democrático com picos de violência brutal como as "caçadas aos imigrantes" nas ruas da cidade alemã de Chemnitz. Os partidos do eixo democrático retraem-se e os extremismos ganham confiança em cada investida perante a incapacidade ou complacência de quem devia atuar e a luxúria panfletária de uma Imprensa leviana.
A tolerância é um valor central às sociedades democráticas, um baluarte dos direitos humanos. Nesse sentido, como teorizava Popper em 1945, não há liberdade individual fora de uma "sociedade aberta", pois é através da prática democrática e das leis que a consagram e protegem que a convivência e a liberdade se estruturam. As democracias são sociedades plurais animadas pelo conflito de interesses e ideias, onde, inclusive, tendências antidemocráticas podem encontrar espaço. Para Popper, o aparente paradoxo da intolerância enraíza aqui: posturas atentatórias das liberdades individuais e da sociedade aberta devem ser contidas em nome da tolerância.
Os limites da tolerância residem, em primeiro lugar, na rejeição da intolerância, na não conivência com o intolerável. A democracia não é compatível com o absolutismo autoritário, nem com o relativismo onde tudo vale. O Estado democrático não é neutro.
*PROFESSORA COORDENADORA DO P.PORTO