<p>Se os assaltantes do BES de Campolide se tivessem lembrado de fazer propaganda, tínhamos um caso doméstico de terrorismo. De certa forma, este é o único "crime político" punível nos regimes democráticos, na medida em que, a coberto de alegações doutrinais (seculares ou religiosas), o que existe é uma cadeia de violência. </p>
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Passaram quase duas décadas depois do fim da "Guerra-Fria". Nela, do MPLA aos "Contras", dos "Muhjaheddin"ao IRA, os "terroristas" de uns eram os "combatentes de liberdade" de outros. Acontecia assim por afinidades políticas (marxismo, nacionalismo, liberalismo, etc.), mas também porque os grupos radicais eram convenientes à estratégia de muitos poderes, incluindo os supergrandes.
Vinte anos depois, continua a não existir uma convenção principal, básica, englobante e esclarecedora, que condene o terrorismo como "crime universal", desligado de "ses" e "mas", livre de excepções, atenuantes, causas de desculpa ou de exclusão da culpa. Em larga medida, isso acontece porque não há acordo quanto à definição liminar e completa de "terrorismo".
Claro que existem, no seio da ONU, ou promovidas por si, 13 convenções de punição de actos terroristas ou similares. Claro que existem pelo menos oito outros pactos, depositados noutras organizações, punindo os mesmos actos. Claro que existem várias convenções regionais de criminalização do fenómeno, sendo quatro textos europeus. Claro que a tal convenção "básica e universal" está em discussão.
Mas a verdade é que, em parte por causa do conflito no Médio Oriente, há quem queira exceptuar os "combatentes da liberdade" do regime geral de punição.
Um bom princípio de acordo seria o de entender que, "libertadores" ou "terroristas", haverá punição para todos os que atacarem civis e não combatentes, qualquer que seja a alegação.
Depois, passaríamos às outras discussões, incluindo a "metafísica".
Apesar dos horrores que vamos encontrando, e que parecem agora concentrar-se no Paquistão e no Afeganistão, mas que não pouparão a Europa e o resto do Mundo, há um movimento curioso, no sentido de "legalizar" os actos que, em muitos aspectos, estão na penumbra, ou na controvérsia, ou no "não direito".
Do ponto de vista dos "combatentes contra o terrorismo", o caminho natural dos EUA será o fecho de Guantánamo, o pagamento de reparações aos detidos que o requererem, e provarem razão, e o julgamento de acusados em tribunais comuns, na América ou nos estados de origem. Para já, são as comissões militares, que significam uma evolução, comparadas com a simples detenção sem explicações.
Do ponto de vista dos militantes radicais, o "Hezbollah", por exemplo, quer que o Líbano legalize, por norma do Parlamento, o seu direito de ataque a Israel, como "autodefesa", e o Hamas seguirá por esse caminho.
Mesmo a Rússia, preocupada com os seus interesses estratégicos no Cáucaso, mas ainda com a sua imagem, procura justificar os actos militares na Geórgia como consequência de uma missão de "manutenção de paz". Moscovo cria ainda tribunais para julgar os "crimes de guerra" na Ossétia, e acusa Tiblissi de "agressão", para se certificar da posse de um título "legal" para as operações.
Isto é bom, se traduzir contenção, proporcionalidade, sentido de justiça e consciência jurídica. Mas é mau, se o objectivo for a instrumentalização do direito, ao mesmo tempo que se parece endeusá-lo.