Os lugares da economia digital e a dilatação dos territórios. A força dos laços fracos
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Já conhecemos há muito a tipologia convencional dos lugares, geralmente associados a infraestruturas, equipamentos e instalações, os mais diversos, por exemplo: os lugares de residência, de produção e trabalho, de recreio e lazer, de ensino e formação, de saúde e de morte, de visitação e destino turístico, de exercício e prática desportiva, religiosos, culturais e artísticos, os locais de compra e consumo, os lugares de culto e peregrinação, entre outros.
Entretanto, a chegada da sociedade da informação e a economia digital vieram criar muitas realidades paralelas e outras tantas personagens em modo representação onde o cenário e a cenografia são, cada vez mais, gerados em realidade aumentada e virtual e ambientes simulados. Assim, a cadeia de valor digital alonga-se da simples digitalização à internet dos objetos, da automação à inteligência artificial, da realidade aumentada e virtual até à imersão em ambientes meta verso.
No novo contexto, digital e criativo, muitos lugares convencionais foram progressivamente desmaterializados para poderem viajar e ser vistos pelo mundo fora e, assim, alcançar os públicos-alvo mais diversos e distantes. Muitos desses lugares tornaram-se ícones da economia digital e simbólica e acabaram por dilatar os territórios onde se localizavam, digamos, melancolicamente, sendo que muitos desses territórios se converteram em locais de destino turístico, cultural, científico, religioso e desportivo. Eis alguns exemplos de territórios que já foram objeto de plataformização e digitalização e outros que estão em vias de o ser:
- Parques naturais, geoparques e zonas termais, o problema do acesso e do uso,
- Aldeias de xisto e aldeias históricas, roteiros e percursos de turismo de natureza,
- Comunidades locais em coprodução de energia renovável,
- Zonas de intervenção florestal, condomínios de aldeia e áreas de gestão paisagística,
- Bancos de terra, gestão de baldios e de bens comuns e/ou cooperativos,
- Banco de alojamento local e de serviços de animação turística,
- Co-housing e serviços comuns ambulatórios para a comunidade sénior,
- Associações de defesa e promoção do património natural e cultural,
- Bairros criativos e comunidades de arte e cultura coprodutores de novos conteúdos,
- Polos tecno-digitais, espaços de coworking e incubadoras de start up.
A título de exemplo, basta pensar no setor das indústrias culturais e criativas, nos eventos que proporciona e no impulso que dá aos diferentes modos de dilatação dos territórios. Refiro-me, por exemplo, ao programa de itinerância das obras de arte, ao programa nacional de leitura e das paisagens literárias, às exposições de arte sacra e os lugares de culto e peregrinação, à educação estética e artística e as artes da paisagem, aos percursos de natureza e o turismo ecológico e científico, à multiplicação de eventos de arte contemporânea como as bienais, ao papel de promoção e divulgação realizado pelos centros de investigação, ciência viva e centros de interpretação, à função primordial dos museus cada vez mais interativos com as escolas e os centros de formação, etc. Em todos os casos, a preparação prévia, a exposição e divulgação operada pelas plataformas digitais da sociedade da informação, o marketing digital, agregaram novos profissionais e traçaram caminhos mais diferenciados que levaram públicos menos habituais e novos públicos a destinos até aí pouco previsíveis.
Aqui chegados, podemos afirmar que esta hibridação entre economia convencional e economia digital levou não só a uma dilatação dos nossos territórios mais vulneráveis, como, também, a uma verdadeira transfiguração de lugares, pessoas e territórios, se quisermos, a um outro patamar de cultura socio-antropológica e espacial. Neste particular, e de um ponto de vista mais epistemológico e cognitivo, vale a pena salientar um aspeto que sobressai desta nova antropologia espacial. Refiro-me à força dos laços fracos uma tese expressa por Mark Granovetter no século passado (1973), que, muito resumidamente, afirma que o número de conhecidos (laços fracos) que um indivíduo tem é maior do que o número de familiares e amigos (laços fortes), logo, através dos laços fracos e sua utilidade, podemos aumentar e diferenciar a nossa rede de relacionamentos por via de outros círculos de relações e conhecimentos. Dito de outro modo, os laços fortes estão concentrados em grupos com quem mantemos relações de maior proximidade, são, portanto, mais previsíveis e menos inovadores. Os laços fracos são laços com grupos mais longínquos, mais descontínuos, que alimentam a nossa inventiva e imaginação. Há, evidentemente, muitos aspetos positivos e negativos no que diz respeito ao utilitarismo dos laços fracos, mas a escolha dependerá sempre da nossa ponderação e bom senso.
Dito isto, e a Wikipédia é um bom exemplo desta partilha de relação e conhecimento, a força dos laços fracos que circula, digamos, em estado bruto na internet
em comunidades online de baixa intensidade-rede, pode, a pouco e pouco, aguçar a nossa curiosidade e, num segundo momento, prometer conexões mais fortes que até aí pareciam muito pouco prováveis. Muitas desses laços fracos, muitos deles multiterritoriais e transnacionais, podem ser transitados e materializados em projetos e eventos de natureza variada – o nomadismo digital em espaços colaborativos e incubadoras de start up, projetos e grupos de investigação interuniversitários, residências artísticas e culturais, grandes eventos desportivos e culturais, celebrações em lugares de culto, congressos científicos e temáticos, a diáspora e os seus múltiplos relacionamentos, as relações interassociativas e socioprofissionais – e terminar, mesmo, em iniciativas e projetos enraizados em comunidades reais offline com uma rede renovada de vizinhos, amigos e futuros parceiros.
O que estamos aqui a afirmar e sugerir é a absoluta necessidade de refrescar e contrariar o tédio e a melancolia das urbes verticais, onde o tempo é curto e a velocidade prevalece. A cada velocidade uma cidade, à nossa frente várias mobilidades, tempos de deslocação, diversas periferias e muita estratificação social. O metabolismo da cidade grande, tal como o conhecemos hoje, não está preparado para acolher novos vizinhos e laços fracos que se transformam, a breve prazo, em laços fortes. A cidade grande está muito acelerada e é mais um local de combate entre espaços de fluxos e espaço de lugares, entre lugares, não-lugares, hiper-lugares e terceiros-lugares, do que um lugar onde se cultiva a arte da existência e se disfruta dos pequenos nadas que a vida tem e a cidade deveria oferecer. Ou dito de outro modo, entre os espaços de fluxos e os espaços de lugares, iremos redescobrir e reinventar as micro liberdades do dia a dia, uma verdadeira poesia do quotidiano, em busca de uma revelação ou epifania e, assim, regressar à boa e velha arte e espírito do lugar.
Nota final
Como dissemos, vamos assistir, doravante, a uma dialética intensa entre espaços de fluxos e espaços de lugares, onde reina a cacofonia e o ruído do quotidiano. Assim, nesta dialética intensa, estamos obrigados a redescobrir a força dos laços fracos de muitas maneiras. Em primeiro lugar, entre os nossos vizinhos mais próximos, depois cuidando da natureza e esperando que as plantas e os animais nos devolvam a sua calma tranquila, em terceiro lugar, respeitando as imagens de marca mais impressivas de um território - paisagens literárias, destinos turísticos, beleza natural, produções que identificam (DOP e IGP), as redes e serviços de proximidade, os endemismos locais, a biodiversidade e os serviços de ecossistema, por último, a qualidade das instituições, em especial, as instituições de educação, formação e cultura.
Uma palavra final para aquele que é, porventura, o instrumento mais decisivo de programação e planeamento territorial e sem o qual tudo o que foi referido antes parece frágil demais. Refiro-me à importância atribuída, no planeamento e na ação, à geoeconomia dos ecossistemas de base territorial: o sistema agroalimentar local (SAL), o sistema agroflorestal (SAF), o sistema agroenergético (SAE), o sistema agroturístico (SAT), o sistema agropaisagístico (SAP). Uma economia regional digna desse nome não sobrevive à dispersão e intermitência dos eventos e aos seus efeitos difusos. Um programa integrado de desenvolvimento regional assente na geoeconomia dos ecossistemas de base territorial é o mínimo que podemos experimentar para abordar uma área de baixa densidade, por exemplo, uma comunidade intermunicipal (CIM). Em discussão estarão instrumentos fundamentais do sistema operativo. No plano tecno-digital (1), o centro partilhado de recursos digitais e a plataforma analítica territorial dos cinco subsistemas, no plano da ecologia da paisagem (2), a dimensão do mosaico paisagístico e a sua multifuncionalidade, no plano socioeconómico (3), a intensidade-rede dos cinco subsistemas e a sua interoperabilidade, no plano da comunicação simbólica (4), a imagem de marca e o branding territorial, no plano da governança multiníveis (5), o papel do ator-rede e a gestão da rede de relações entre mercados, redes e instituições. Voltaremos ao assunto.