O presidente da República decidiu vetar o Estatuto Político-Administrativo dos Açores. Argumento: o diploma contém ainda duas normas que colocam "em sério risco os equilíbrios político-institucionais". Consequência: em quatro meses, o diploma regressa ao Parlamento para uma terceira discussão. Acto contínuo, se o Estatuto for confirmado por uma maioria absoluta dos deputados, Cavaco Silva terá que promulgá-lo.
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A coisa é, portanto, séria. Tão séria que permite perguntar: estamos perante um braço-de-ferro entre o PS e o chefe de Estado? Se sim, que consequências poderão daí resultar para a convivência institucional entre presidente da República e Governo? Numa altura de gestão difícil como esta, quererá Sócrates caucionar uma "guerra" de consequências imprevisíveis? E estará o PS disposto a baixar a guarda, depois de ter esticando tanto a corda?
Nos Açores e na Madeira, dá-se a curiosa circunstância de os partidos nacionais (PS no primeiro caso, PSD no outro) estarem quase absolutamente dependentes das suas estruturas regionais. Ninguém se atreve - e bem - a questionar a importância da autonomia regional. Mas, embalados por isso, também ninguém se atreve - e aqui mal - a pôr cobro aos excessos que, de vez em quando, essas autonomias reivindicam (mais n«a Madeira do que os Açores, claro está). No caso, parece mais ou menos evidente que o presidente da República tem motivos para reclamar, porque, de facto, tal como está, o Estatuto distorce os equilíbrios político-institucionais. Foi isso, de resto, que levou Cavaco Silva a proferir uma solene e incomum comunicação ao país.
Para o PS (logo, para Sócrates), insistir nesta batalha agora que as eleições açorianas estão ultrapassadas é um erro. A ideia que passa é da que, tal como o PSD atura todas as diatribes de Alberto João Jardim, também os socialistas estarão dispostos a dar mão ao seu companheiro açoriano, sejam as suas reivindicações as que forem. O que interessa é mostrar que o PS não é menos defensor das autonomias do que o PSD. É uma espécie de "eu sou mais autonomista do que tu".
Verdade que, depois de tanta insistência por parte dos socialistas, será difícil encontrar uma porta com uma saída airosa para todos. Mas talvez seja um esforço que valha a pena fazer, de modo a acabar com uma querela institucional que se prolonga há demasiado tempo. Não é que do caso possam resultar graves complicações para o relacionamento entre o chefe de Estado e o Governo (como no caso do divórcio, Cavaco Silva já marcou bastante bem a sua posição e não ganha nada em aumentar o tom de reprovação; e Sócrates tem ainda menos a ganhar), mas vai sendo tempo de assumir que nem tudo o que vem das ilhas é digno de imediato e intransigente apoio.