O imposto extraordinário, o fim das golden- -share, a estabilidade governativa e coisas mais comesinhas como o facto de os governantes viajarem em económica - nada disto impressionou a agência de rating Moody's, que, anteontem, colocou a qualidade da nossa dívida ao nível do "lixo", coisa nunca vista. Ontem foi o charivari expectável: o primeiro-ministro diz ter recebido a notícia como "um murro no estômago"; o presidente da República não vê "a mínima justificação" para o corte; a Comissão Europeia achou o "timing infeliz"; os socialistas europeus dizem-se "indignados".... O fantasma grego volta em força.
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A questão é: o desagrado perante este corte brutal justifica-se? Justifica: é imoral e não é natural. É imoral, porque, mesmo considerado o estado lastimoso das nossas contas, seria, no mínimo, correcto dar tempo ao novo Governo para verificar se à vontade anunciada corresponderão resultados práticos. Não é natural, porque nada de substantivo se alterou nos últimos tempos que possa sustentar o corte da dívida. Portugal mal começou a cumprir o draconiano acordo com a troika e a Moody's acha que será preciso um segundo. Qual é o fundamento disto? O nosso passado prevaricador? Não chega o duro compromisso com a troika para amenizar o pesado lastro do país? Com este empurrão para o abismo, sofre o Estado, sofrem as empresas e sofrem as famílias, todos dependentes do financiamento externo que, no médio prazo, nos sairá ainda mais caro.
Dito isto, é preciso também dizer que a União Europeia (UE) não está isenta de culpas. Melhor: carrega pesadas culpas, porque se pôs a jeito numa guerra de interesses financeiros em que as agências de rating estão do lado dos interesses muitas vezes obscuros e, logo, dificilmente escrutináveis. A impotência da UE para combater os malvados das agências nota-se ao mais alto nível: a toda poderosa chanceler alemã prometeu, anteontem, incomodá-las. Bastou um dia para ter a paga: uma nova ajuda à Grécia foi considerada incumprimento selectivo; e em Portugal foi o que se viu.
Vítor Bento, presidente da SIBS, colocou ontem o dedo na ferida. "Se as decisões das agências são inconvenientes e dificultam os processos políticos (e financeiros) de ajustamento, porque é que as autoridades lhes dão a importância que dão e lhes permitem condicionar as suas próprias políticas"? A China percebeu isso há tempos - e criou uma agência. Por cá, o Banco Central Europeu só aceita dívida de um país se as agências quiserem; por cá, são os Estados e as empresas que pagam para serem avaliados pelas agências; por cá, o futuro dos países continua na mão de empresas privadas. São gostos...