António Costa veio anunciar como prioridade do programa eleitoral do Partido Socialista o combate à corrupção. Não é, no entanto, uma prioridade nova. Quando o ex-primeiro-ministro Sócrates foi envolvido em suspeitas de corrupção, o combate à corrupção foi apresentado como prioridade socialista.
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Não deixa de ser curioso que quando o PS é atingido por novas suspeitas que o combate à corrupção reaparece como prioridade política. Resultados concretos dessa prioridade: nada. Fica outra suspeita, sobre se é uma verdadeira prioridade política ou antes um tema elevado a prioridade por razões políticas (escudar o PS desse debate). A estratégia é simples: ouviremos repetidas promessas de reforço dos meios ao dispor da Justiça no combate à corrupção, enquanto continuaremos a ter silêncio sobre as práticas políticas que estão na origem dessa corrupção, sob pretexto de que são apenas matéria da Justiça.
Sejamos claros: enquanto a corrupção for tratada apenas como um problema da Justiça não a vamos resolver. A Justiça está para a corrupção como os cuidados paliativos estão para a medicina. O fundamental é atuar a montante, na cultura política e de funcionamento do Estado que cria o ambiente onde as práticas corruptivas facilmente prosperam e se escondem. A opacidade, os conflitos de interesse, a proximidade e promiscuidade entre poderes públicos e privados, a captura política do Estado, a pouca autoridade, independência e capacitação dos processos de seleção e dos organismos reguladores e de supervisão. Sobre isto o país permanece, no entanto, inconsequente.
Dois exemplos recentes. Gerou-se uma indignação generalizada com as dívidas de Berardo, resultantes do envolvimento do Governo de então, através da Caixa, na luta de poder num banco privado. Mas quase todos acharam normal quando o atual Governo interveio noutro negócio bancário privado. Sucede que é a admissibilidade dessa interferência governamental que cria a oportunidade para certas práticas (até porque o empresário a quem um Governo pede um favor um dia - mesmo que em defesa do que entende ser o interesse público - se sente à vontade, no dia seguinte, para pedir ao Governo um favor em troca). Escandalizamo-nos com as nomeações familiares, mas ninguém se importa com o que acontece à CRESAP. A melhor forma de garantir a prevalência do mérito é garantir a isenção e independência dos processos de seleção, mas ninguém tira esta simples conclusão. Indignamo-nos com as preferências à família, mas não discutimos nem defendemos os processos de decisão que o podem impedir.
* PROFESSOR UNIVERSITÁRIO