Os média noticiosos devem apoiar candidatos políticos?
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Em alguns países, os meios de comunicação de natureza jornalística costumam declarar o seu apoio a um/a candidato/a em contexto eleitoral. Nos EUA, isso é uma prática comum. Ora, quando três jornais vieram declarar que, desta vez, abdicariam desse “endorsement”, isso tornou-se notícia. E desencadeou uma grande polémica.
Nestas eleições presidenciais norte-americanas, os jornais “The Washington Post”, “Los Angeles Times” e “USA Today” decidiram não apoiar qualquer candidatura. O problema não é propriamente essa opção, mas o calendário escolhido para a fazer: a poucos dias das eleições. Sendo títulos que tradicionalmente sustentam o candidato do Partido Democrata, há uma leitura inevitável: existe o receio real de que o vencedor seja Donald Trump e os donos dos média querem preservar-se de eventuais vinganças. O próprio candidato republicano já sublinhou que tal decisão se deve ao facto de Kamala Harris não ser “boa”.
Num artigo que intitulou “A dura verdade: os americanos não confiam nos meios de comunicação social”, Jeff Bezos, o dono do jornal “The Washington Post”, argumentou que os americanos não confiam nos média noticiosos e isso significa que “algo não está a funcionar”. Serão muitas as variáveis a considerar.
Uma das que Bezos teve em conta foi o imperativo da “precisão”. E a recusa em tomar partido é, na sua perspetiva, um sinal de que se quer ser mais preciso.
Muitos leitores não concordaram. Por isso, mais de 200 mil pessoas cancelaram a assinatura deste título. Também muitos colunistas abandonaram a sua colaboração e alguns jornalistas os seus cargos de coordenação. O ex-diretor deste jornal, Marty Baron, escreveu na rede X que estamos perante “uma cobardia que coloca a democracia em risco”.
Também a opção do jornal “Los Angeles Times” é significativa. Kamala Harris foi procuradora-geral deste estado e tudo o que aí se passa ganha um significado simbólico maior. Também a respetiva redação reagiu com músculo. A diretora editorial do jornal demitiu-se. Em vários média noticiosos multiplicaram-se reações.
Pessoalmente, não tenho muita simpatia pela sustentação de candidatos em contextos eleitorais por parte dos média jornalísticos. No entanto, neste caso, considero bizarra esta opção ser tomada dentro da própria campanha eleitoral. Os jornais em causa não ignoraram, decerto, que estas decisões seriam sempre polémicas e suscetíveis de uma leitura que prejudicaria sempre a candidatura democrata pelo apoio com que sempre contou aí. Neste contexto, emerge a pergunta: se as sondagens fossem favoráveis a Kamala Harris, estes jornais tomariam esta decisão? A resposta parece óbvia.